TeamWork: projeto caro, lucro duvidoso e expõe má interpretação da Lei das Estatais – Parte II

Relatório da Controladoria-Geral da União (CGU) de Auditoria Anual de Contas nº 201900540, realizada no Serpro em 2018, mostra claramente que a estatal cobra caro aos órgãos governamentais para executar o projeto TeamWork. Mas há sérias dúvidas se lucra alguma coisa com ele. Além disso expõe um erro de interpretação grave em relação à Lei 13.303 (Lei das Estatais), no processo de escolha de parceiros privados para execução do projeto.

Em dezembro de 2018, no apagar das luzes do Governo Temer e ainda sob a presidência de Glória Guimarães, o Serpro anunciou sua primeira parceria com a iniciativa privada, nos moldes sugeridos pela recém criada Lei das Estatais (nº13.303/2016). Tratava-se do projeto “TeamWork”, uma parceria que envolvia a Google, através de uma startup chamada RW3. O objetivo seria a prestação de serviços de “infraestrutura híbrida de comunicação corporativa e gerenciamento integrado de multiusuários”. Nela tambem estava envolvida a Zimbra, por conta de parceria para fornecer aos órgãos federais o “SerproMail”.

Transformação Digital

Do ponto de vista da lei, essa parceria Serpro/Google/Zimbra seria o primeiro ato de uma possibilidade da estatal tornar-se mais eficiente, competitiva e inovadora, num mundo em que a Transformação Digital irá engolir grandes fábricas de software que não se adaptarem aos novos modelos de negócio, mais baratos e com respostas mais rápidas que as Startups podem oferecer.

Portanto, a intenção era boa, porém a execução – ao passar os olhos no relatório da CGU – ficou clara que a direção do Serpro a transformou num grande desastre. Este site questionou até através da Lei de Acesso à Informação o projeto. Recebeu como resposta da estatal não poderia revelar “dados confidenciais de negócios”, quebrando essa cláusula contratual. A resposta veio do então diretor de Operações (que no Governo Bolsonaro chegou a ser transferido para a área de Desenvolvimento), Iran Porto Júnior. Hoje ele já não faz parte da direção do Serpro.

O relatório da CGU foi muito mais transparente do que esse site esperava,  nessa questão de não revelar “dados confidenciais de negócios”, que envolvem dinheiro público.

À CGU o Serpro informou a quantidade estimada de usuários para um período de 24 meses: 921.087 usuários. Entretanto, documentos entregues pela estatal à Controladoria apresentaram apenas no período de vigência contratual (18 de dezembro de 2018 a 17 de dezembro de 2020), apenas a estimativa de 91.087 usuários. Muito aquém da estimativa oficial e uma informação errada que a direção do Serpro repetiu quando também respondeu a uma auditoria interna, na própria empresa.

Faz-se a ressalva, pelo menos, de que o valor total estimado para a contratação encontrava-se correto e esse erro não chegou a impactar o custo do projeto. Também convém esclarecer que a participação do SerproMail/Zimbra na parceria com a Google ocorreu por inspiração da Superintendência de Novos Negócios (Sunng), e não por decisão de Iran, na época Diretor de Operações e depois de Desenvolvimento.

Segundo a CGU, na documentação da parceria, foi constatado que o objetivo estratégico do Serpro era “atingir o faturamento anual de R$ 2,81 bilhões em 2017″ com a execução do SerproMail. A expectativa no inserção da Google na “plataforma para novas linhas de negócio (as-a-service)” – em que o serviço foi classificada como sendo “nuvem” propiciaria ganhos extraordinários para a estatal.

Por definição, a nova parceria Serpro/Google/Zimbra “TeamWork” seria: “uma solução de colaboração, criação e armazenamento de arquivos baseadas no GSuite – suíte de colaboração do Google – e no software Zimbra Collaboration. O Serpro TeamWork é composto por ferramentas de criação de documentos, planilhas, apresentações, formulários e sites diretamente no seu navegador sem o uso de software dedicado. Inclui também ferramenta de conferência web e chat entre diversos participantes, sistema de e-mail completo, catálogo de endereços, calendário, compartilhamento de arquivos e tarefas”.

Capacitação da RW3

O relatório da Controladoria-Geral da União mostra que a empresa RW3 tinha capacitação técnica suficiente para executar o serviço, como sendo representante da Google. Em termos de contrato, a expertise dela nesse ambiente, permitiria ao Serpro dar um salto, um ganho de produtividade com a integração de ambientes de desenvolvimento de software distintos, sendo tudo em nuvem. “Está demonstrada a oportunidade de negócio atendida pela empresa RJR Comércio e Serviços de Informática LTDA (RW3), ou seja, a integração entre o SERPROMAIL (Zimbra), com as ferramentas de colaboração do Google Gsuite por meio da infraestrutura híbrida de comunicação corporativa e gerenciamento integrado de multiusuários “TeamWork”, explicou a CGU.

A CGU confirma a capacitação da RW3 para o projeto no Serpro, mas faz ressalvas à forma como a direção da estatal se comportou na escolha da Startup e dos serviços que prestaria como sendo “exclusivos”, no universo Google. Ao responder a questionamentos de auditores da CGU, a direção do Serpro informou que não havia identificado “outra opção de mercado que atenda a demanda,” na análise de viabilidade técnica.

“Ora, em momento algum foi demonstrado no processo de contratação que a RW3 é a única empresa parceira da Google no Brasil que está autorizada a realizar tal negócio, portanto, não pode prosperar tal afirmação”, destacou a CGU em determinado trecho do seu relatório sobre a expertise da RW3 para o projeto, em confronto com suposta exclusividade.

Até porque, nas pesquisas que fez a CGU descobriu que existem duas grandes soluções no mercado privado: o próprio GSuite da Google e o Office 365 da Microsoft.

Com base nisso, os auditores resolveram indagar à direção do Serpro os motivos da escolha para a RW3. “Foi instado a apresentar as razões pelas quais foi escolhida a empresa RW3 (…) haja vista que a Google possui várias empresas parceiras especializadas no Brasil autorizadas a comercializarem seus produtos e serviços”.

Os auditores da CGU informaram que a resposta do Serpro ( dada pela Superintendência de Produtos e Serviços (Supes)) foi que “não houve chamamento público, tendo em vista que foi a RW3 que procurou o Serpro para apresentar a oportunidade de negócio”.

A CGU foi taxativa diante dessa resposta: “por que razão o Serpro não realizou um credenciamento de interessados para a oportunidade de negócio em questão, como seria o caso de um procedimento de chamamento público”?

para os auditores, tal alegação “não é suficiente para afastar a responsabilidade da empresa em buscar alternativas no mercado com vistas à formação de um estudo comparativo para, assim, poder justificar sua tomada de decisão com relação à formação de tal parceria de negócio”.

TeamWork tem sobrepreço

É aqui que a direção do Serpro escorregou feio no relatório da Controladoria-Geral da União.

Aos olhos dos auditores da CGU, o Serpro tentou demonstrar que há um equilíbrio econômico-financeiro, que justificaria a parceria da estatal com a Google e a Zimbra no projeto “TeamWork”. Não foi convincente.

“(…) Não bastaria indicar que o contrato associativo é capaz de gerar receitas para o Serpro, o que é algo obviamente esperado. Afigura-se também necessária a demonstração de que esta contratação é oportuna e vantajosa quando comparada às demais opções eventualmente disponíveis no mercado. Uma vez que a multinacional Google dispõe de várias outras empresas parceiras em território nacional, parece bastante lógico admitir a hipótese de que alguma outra empresa pudesse ofertar ao Serpro condições iguais ou melhores para uma contratação associativa da mesma natureza, nos moldes do que foi acordado com a RW3”, destacou a CGU em seu relatório.

E para não ficar apenas no conceito subjetivo da troca de versões entre auditores e a direção da estatal, foram buscados os elementos que demonstraram se houve ou não a tal “vantagem comercial” para os atores envolvidos com o projeto.

A CGU buscou comparativos com outros contratos existentes no governo, que pudessem clarificar essa questão. As informações foram colhidas em contratos da Google com o Conselho Regional de Medicina (GO) (de valor unitário de R$ 16,66, para uso do Google Suite); o Conselho Regional de Enfermagem (AM) (preço unitário de R$ 19,49 para uso do Google Suite); além do Conselho Federal de Enfermagem (custo unitário de R$ 19,49, Microsoft Office 365).

Mas foi no contrato do TRT 8ª região nº 1377/2017, que gerou a Ata de Registro de Preço nº 45/2017, (fornecimento de solução integrada de colaboração e comunicação corporativa baseada em nuvem, incluindo suporte técnico, modalidade 30GB), que o Serpro levou o golpe de misericórdia da CGU.

Curiosamente os auditores que tiveram acesso a essa informação, não encontraram a mesma no Plano Básico que o Serpro elaborou para formar o seu preço de serviço no TeamWork. E mais: a RW3 participou dessa licitação e venceu com uma proposta de ser contratada para oferecer o Google Suite para 19.300 contas de usuários, ao preço unitário mensal de R$ 8,86, referente ao período de 30 meses, o que daria um total de R$ 5.129.940,00.

“Em simulação, o valor representa uma diferença de R$ 2,54 a menor por conta, o que totalizaria uma diferença de R$ 2.339.560,98 a menor para a contratação em curso (Serpro) com a RW3 Tecnologia”.

Ou seja, em 25 de setembro de 2017 com base na Ata de Registro de Preço nº 45/2017, do TRT 8ª Região, os auditores da CGU constataram que a empresa RW3 já havia ofertado a solução de produtividade GSuite em valor inferior ao que esperava receber como repasse do Serpro em futuros contratos de receita com a Administração Pública.

Ao simular a correção de preços com base no IPC-A para a data da contratação (dezembro de 2018), a CGU constatou que o valor ofertado ao TRT 8ª Região seria de R$ 9,31, ou seja, 18,3% inferior ao contratado pelo Serpro com a RW3. mesmo assim, a CGU foi, digamos, complacente com a ausência de justificativas claras da parte do Serpro para os preços que estaria querendo praticar ( agora já está) na Administração Federal.

“O conjunto de somente estes três entes não é capaz de representar de modo estatisticamente significativo os valores que seriam pagos por toda a Administração Pública Federal. Ainda assim, mesmo desprezando esta relevante observação, temos que o valor médio pago pelos três entes considerados para a contratação de soluções de colaboração foi de R$ 18,55, enquanto o Serpro, em seu modelo de negócio, pretende vender o serviço TeamWork a um preço mensal por usuário de R$ 29,90, valor 61,2% superior, não deixando explicitado no modelo se o preço ofertado é capaz de cobrir os custos e ao mesmo tempo contribuir com a geração de receitas sustentáveis”, dispararam os auditores, que ainda foram além:

“Se, por outro lado, consideramos também no cálculo do preço médio o valor ofertado pela própria empresa RW3 ao TRT 8ª Região, procedimento este que parece bastante razoável, temos que a nova média para os valores seria de R$ 16,12 e, neste caso, o preço mensal de venda estimado pelo Serpro seria 85,4% superior”, afirmaram.

Vantagens operacionais

Pelo menos o Serpro ganhou elogios dos auditores da CGU no tocante ao custo operacional do projeto, que deverá gerar “redução significativa dos custos do Governo federal”. O que talvez pudesse atenuar o fato dos valores dos serviços cobrados pela estatal aos demais entes governamentais esteja muito além dos praticados pela Startup em contratos com outros órgãos federais.

“Um dos grandes benefícios da solução Serpro TeamWork é a concentração do dispêndio em uma única estrutura, neste caso, no centro de dados do SERPRO. Dessa forma, o compartilhamento dos recursos computacionais possibilitará uma redução significativa dos custos do Governo Federal, considerando o somatório de todo custo envolvido com a produção do serviço de órgão da Administração Pública Federal, assim como permitirá ofertar preços do serviço compatível com seu orçamento”, avaliaram os auditores.

Desvantagem comercial

Mesmo assim, para os técnicos da CGU, não há como fechar os olhos diante do fato de que o preço de venda estimado pela estatal (R$ 29,90 mensal por usuário), estaria muito acima do valor de mercado que a solução de colaboração GSuite é oferecida pela Google.

“Portanto, não se vislumbra aqui qualquer vantagem econômica para algum órgão ou entidade pública em contratar a solução Serpro TeamWork, frente à solução original GSuite da Google, o que compromete o aspecto de vantagem comercial em análise”.

Risco de prejuízo

Os auditores não somente alertaram em seu relatório, que existe um “risco de superestimação de receita com a venda de licenças do TeamWork para a Administração Pública”, mas também questionaram o repasse de receita para a RW3. De acordo com eles, ao fixar em o repasse em R$ 11,40 (mensal por usuário) o Serpro, na avaliação da CGU, estaria assumindo o risco de comercializar a solução com a possibilidade de ter uma margem de receita muito inferior à estimada, já que nem sempre será bem-sucedido em alcançar o preço de venda sugerido. Certamente alguns órgãos irão querer descontos não previstos no processo de negociação.

“Portanto, parece que há risco também de que as condições pactuadas no contrato associativo em tela sejam mais vantajosas para a empresa contratada que para o Serpro”, alfinetou a CGU, que vê no acordo uma “substancial oportunidade de negócio para a RW3”, que já vendeu bem mais barato em outros entes federativos.