Sorte e Regressão à Média


Por Sigmar ‘Sig’ Frota* – O que é mais efetivo para ajudar as pessoas a aprender: punição ou recompensa? Se você é aquele leitor que curte conselhos de best-sellers de autoajuda, acredita na lei da atração ou está atento como coachee a tudo que seu coach recomenda para aumentar seu nível de mindfulness… é #certeza que você irá optar por recompensa.

Pois é. Nesse post aqui quero deixar um contraponto, para pensar com você leitor, sobre punição e recompensa. #BoraVerIsso juntos e… shallow now.

Mais uma vez fui buscar inspiração e referência com o prêmio Nobel 2002 de Economia Daniel Kahneman em seu livro Rápido e Devagar: duas formas de pensar. Meu foco vai para a parte 2 do livro, onde o autor discorre sobre heurísticas e vieses, em um tópico com o título “Regressão à Média” – um conceito descoberto e desenvolvido no fim do sec. XIX por Francis Galton, primo de Charles Darwin e um renomado polímata. Nesse tópico Kahneman conta uma experiência que teve em sua carreira quando ensinava a instrutores da Força Aérea Israelense sobre a psicologia do treinamento eficaz.

No episódio descrito por Kahneman, ao interagir com os instrutores e expor seus conceitos, recebe deles a informação de que, no caso de treinamento de um piloto de caça israelense, comentários negativos (críticas) tinham efeitos superiores aos comentários positivos (elogios).

Assim, se um cadete executasse uma manobra particularmente ruim, os instrutores em sua função repreendiam aquele cadete. Na sequência, eles percebiam que, em novas tentativas de mesma manobra, o desempenho do cadete repreendido invariavelmente melhorava. Em contraste, se eles elogiassem um cadete por executar uma manobra muito habilidosa, o desempenho do cadete elogiado, nas seguintes tentativas, tipicamente decaía. Então, na prática, os instrutores tinham sempre em mente que comentários positivos são ineficazes ou até mesmo prejudiciais ao passo que comentários negativos funcionam.

O que os instrutores haviam observado é conhecido como regressão à média; e no caso dos exemplos de falhas e acertos dos cadetes em instruções de voo, o que se observava eram flutuações aleatórias na qualidade do desempenho – para melhor ou pior.

O problema é que isso parece contradizer diversos estudos que mostram que comentários positivos são, em verdade, mais efetivos do que os comentários negativos.

Bem… então por que isso não funcionou para os pilotos de caça israelenses? Poderíamos pensar que, talvez, por conta de diferenças culturais, em algumas culturas comentários negativos funcionam melhor. Ou talvez dependa da tarefa que se está executando. Talvez, algumas habilidades específicas, como aprender a pilotar um avião de caça, necessitam de comentários mais negativos. Ou, talvez, o comentário não guarda correlação com o desempenho do piloto de caça. Talvez, eles teriam se comportado da mesma maneira, independentemente do comentário que eles receberam.

#BoraAgora em uma nova situação onde se observa a regressão à média. Imagine que você tem 100 alunos fazendo um teste que consiste de 100 questões, de múltipla escolha, tipo Verdadeira ou Falsa, em uma matéria super avançada de exatas (tipo Física ou Matemática) em que todos eles não saibam absolutamente nada quanto a mesma.

Agora, assumindo que todos eles respondam aleatoriamente já que não sabem nada – dando o famoso “chute” –, a ciência da estatística nos diz que a distribuição resultante de pontos terá uma média de aproximadamente 50. Contudo, apenas contando com o fator sorte, alguns estudantes terão acertado significativamente mais e outros menos questões do que a média.

Se, entre os 100 que fizeram o teste, você selecionar os 10 melhores estudantes com notas muito acima da média e aplicar neles um segundo teste bem parecido, você constatará que as novas notas desses 10 estudantes regredirão, invariavelmente, para mais perto da média. Similarmente, se você seleciona os 10 piores estudantes, aplicando esse novo teste na sequência, vai notar que suas notas aumentarão para mais perto da média. Para os dois grupos de 10 estudantes, é dito que ocorreu uma regressão à média.

No gráfico (abaixo) fica mais fácil de entender visualmente o conceito descrito no exemplo:

Isso ocorre porque o acaso age em praticamente tudo o que fazemos. Sendo assim, os resultados dos eventos são influenciados tanto por nossas habilidades quanto por nossa pouca ou muita sorte.

Então, se um estudante teve muita sorte no seu primeiro teste – e se encontra hoje no extremo da média com seu desempenho superior – não deve se animar e nem ser elogiado por isso. Explico: é que em um novo dia, num novo teste de mesmo tipo e com pequena variação nas questões, é bem provável que o seu nível de sorte não seja tão bom como no teste do dia anterior – e a consequência é que sua nota será inferior por força da regressão à média.

Com o exemplo não quero dizer que tudo está se igualando. Mas, sim, que eventos extremos estão sendo diluídos pela média dos eventos que acontecem com maior frequência. No caso, com alunos “chutando” em 100% das questões numa matéria que não dominam, todo o conjunto é sempre entregue a essa diluição. Atenção: esse comportamento das notas/estudantes é observado mesmo quando estudantes sabem algo sobre a matéria; e ainda assim haverá o elemento da sorte, mesmo que em menor influência sobre o todo. Logo, nesse exemplo mais perto do dia a dia de um ambiente acadêmico, a regressão à média sempre ocorre, apenas em menor extensão.

Mas, talvez, o que aparece como mais perturbador sobre a regressão à média é como ela influencia a nossa percepção diante de avaliações. Por exemplo, com os pilotos de caça, após executarem uma manobra particularmente ruim, as chances são que na próxima tentativa se saiam melhor, independente do comentário e avaliação negativos que recebem dos instrutores.

Da mesma forma, em ambiente de negócios ou corporativos, após uma excelente visita de vendas ou apresentação de solução serem bem-sucedidas, as chances são de a próxima interação com cliente não ser tão boa assim. E isso não tem nada a ver com o comentário(aka feedback) do seu chefe ou de outros que estavam presentes, e sim com a natureza aleatória do nosso universo.  

Nós estamos programados – no inglês utilizam a palavra wired – a ver padrões e casualidades em todo lugar. E, no caso dos pilotos da Força Aérea de Israel, esse é o motivo pelo qual os instrutores afirmaram que o comentário positivo fosse prejudicial e que o comentário negativo era o que funcionava – num exemplo de prática exatamente oposta ao que estudos psicológicos controlados sobre o tema “punição ou recompensa” mostram.

Finalizando com um insight aqui ao leitor: se diante de perdas e reveses você fizer comentários negativos (negative feedback), repetindo as oportunidades por mais vezes, as chances são do avaliado em seu time se sair melhor. Se você fizer comentários positivos (positive feedback) diante de um desempenho acima da média, tenha a certeza de que as chances são do avaliado se sair pior em novas oportunidades, porque é difícil manter esse nível de sorte alta em todas. Logo, não considere só a habilidade; considere também a sorte ou a falta dela. Esse é o jeito esquisito do nosso mundo.

Em um universo onde prevalece a entropia e ocorrências de regressão à média, sorte e habilidades andam… juntos e shallow now.

*É isso. 😎 😎 😎

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* Sigmar ‘Sig’ Frota é profissional de TIC com mais de 30 anos de atuação nas áreas de Vendas, Marketing e Comunicação em ambientes corporativos. Mantém-se em constante movimento na forma de um baby boomer digital e molda seu mindset pela máxima …”os únicos dinossauros não extintos foram os que entenderam que um meteoro gigante mudou tudo… e que não havia alternativa a não ser : (a) diminuir muiiiito seu tamanho e (b) criar penas.” . #BoraVoar #BoraCorrer