Mais uma licitação barrada no Serpro pelo TCU, com indícios de sobrepreço de 50% (ATUALIZAÇÃO)

Parece que o porcentual de sobrepreço de 50% em licitações do Serpro deve ser algum tipo de homenagem que a direção vem fazendo, por ocasião da estatal já ter completado 56 anos. Em apenas quatro meses é a segunda vez o Tribunal de Contas da União trava uma licitação na empresa, após constatar que as alegações para a contratação são frágeis, não observam certos requisitos legais e ainda dão indícios de o preço estar inflado.

O ministro Bruno Dantas, do Tribunal de Contas da União, mandou ontem (27) o Serpro suspender o pregão 917/2020, que tinha por objeto a contratação de “Solução Data Center Modular”, cujo preço das propostas apurado com empresas variavam entre R$ 224 milhões a R$ 737 milhões. Ao tomar conhecimento na véspera (26) da decisão, a estatal nem abriu a sessão que deveria ter sido realizada nesta terça-feira para aprovar a contratação.

A decisão foi avaliada hoje ( 28) pelo plenário e aprovada, o que impede a estatal de seguir com a licitação. Agora a direção do Serpro terá de explicar detalhadamente a compra, antes do tribunal se pronunciar em definitivo.

Em seu despacho, baseado nas investigações feitas pela Secretaria de Fiscalização de Tecnologia da Informação do TCU, o ministro Bruno Dantas apresentou uma série de razões para impedir a licitação.

Desestatização

A primeira questão levantada foi o fato de a direção do Serpro não ter submetida a despesa ao Conselho Nacional de Desestatização e ao Ministério da Economia.

O Serpro emitiu ontem uma nota oficial, na qual alegou que não precisava submeter a contratação ao CND porque “O texto do Decreto nº 2.594/98, art. 59 determina que contratações que visam manutenção das atividades da empresa não necessitam ser submetidas ao Programa Nacional de Desestatização”.

E explicou que não apresentou esse pedido porque “o processo foi devidamente suportado por pareceres e aprovado pelo Conselho de Administração do Serpro, cujos membros são indicados pelo seu acionista – o Ministério da Economia, em estrita observância à governança corporativa da empresa”.

Interessante a alegação, pois a direção do Serpro jogou a batata quente no colo do Secretário Nacional de Governo Digital, Luis Felipe Monteiro, que representa o Ministério da Economia no CA do Serpro. Ficam as seguintes indagações:

1 – O secretário tinha conhecimento da proposta de um gasto na estatal, cujo valor é mantido sob sigilo, mas as indicações de preços no mercado apontam para uma dispersão de valores que varia entre R$ 224 milhões a R$ 737 milhões? E não comunicou aos seus pares no Ministério da Economia sobre esse “investimento”, numa empresa que será vendida?

2 – Seja qual for o montante, isso não irá impactar no preço de venda da estatal?

3 – A ideia era esconder esse montante e não embuti-lo no preço de venda, como forma de os cofres públicos serem ressarcidos depois por uma “melhoria” que foi feita na empresa, que nem se sabe se o futuro comprador iria desejar?

Em sua defesa, o Serpro alega que não informa o valor de referência que pretende pagar numa licitação, “para que haja a livre concorrência entre as empresas interessadas e, consequentemente, ocorra a contratação da empresa que oferecer o menor valor para a prestação do serviço”.

Ainda argumenta que essa prática é recomendada pela Lei 13.303 (artigo 34). “O valor orçado, muitas vezes inferior ao acima mencionado, caso se torne público poderá inviabilizar o melhor ato de gestão da empresa, por consequência, a estratégia adotada de obter o melhor preço para a própria administração pública”.

Tal argumentação é questionável, pois se há intenção de uma compra pública o contribuinte deveria ser informado previamente sobre o gasto. Que pesará lá na frente na forma de impostos, quando o governo estourar as suas contas e chama-lo para sustentar esse rombo em sua contas.

Não é exatamente por essa razão que o governo propõe uma Reforma Administrativa que visa enxugar os gastos com a máquina pública e, por consequência, a venda de estatais?

Omissão 

“Tendo em vista a relevância da matéria e os valores envolvidos, bem como a própria competência primária do CND e do Ministério da Economia sobre decisões afetas a processos de desestatização no âmbito do Poder Executivo, é fundamental que esses entes sejam também ouvidos para que se pronunciem sobre a regularidade da decisão unilateral tomada pela estatal quanto a tais despesas”.

É improvável que o Ministério da Economia não tenha tido ciência prévia dessa contratação, mesmo no âmbito da Secretaria de Desestatização. Pois, além do secretário Luis Felipe Monteiro ser membro do Conselho de Administração do Serpro, o secretário Especial de Desburocratização e Governo Digital, Caio Paes de Andrade, foi presidente da estatal e teve o privilégio de fazer o seu sucessor na direção, ao colocar seu ex-diretor e consultor jurídico, Gileno Gurjão Barreto, no cargo.

Gileno, para quem não se lembra, foi quem deu parecer jurídico favorável à contratação da consultoria PricewaterhouseCooper (PwC) no valor de R$ 12.317.301,14 , que também foi barrada pelo ministro Bruno Dantas ao ser constatado um sobrepreço de 56%.

Longevidade

O ministro Brno Dantas também apontou outro “indício de irregularidade”, quando o Serpro fundamentou o enquadramento legal de duração do contrato em 10 anos. “A fundamentação apresentada pelo Serpro em resposta à indagação da Controladoria-Geral da União foi a do inciso II do art. 71 da Lei 13.303/2016, ou seja, o estabelecimento de prazo excepcional acima de cinco anos tendo em vista a prática rotineira do mercado para o objeto em questão”.

Entretanto a Secretaria de Fiscalização de TI do tribunal derrubou essa argumentação, ao explicar que a prática rotineira do mercado de datacenter seria de vigência de contratos por prazo de até cinco anos.

“Percebe-se que há inconsistência na fundamentação do prazo excepcional de vigência do contrato, o que estaria também conexo com a discussão sobre a natureza das despesas da avença (se investimentos ou operacionais)”, declarou Bruno Dantas.

Planejamento

O TCU também verificou fragilidade no planejamento do certame, porque o processo de avaliação de soluções alternativas e custos totais de propriedade foram mal elaborados.

“O último indício de irregularidade trazido pela unidade instrutora aborda a pesquisa e estimativa de preços da contratação. Para fins de precificação, o Serpro considerou apenas propostas comerciais recebidas, as quais, segundo apontado pela SEFTI, apresentaram grande dispersão, variando de R$ 224 milhões a R$ 737 milhões”, informou o ministro.

O Serpro alegou que não foi possível adquirir propostas similares no mercado, tampouco no banco de preços, devido às peculiaridades da contratação. Entretanto, a SEFTI encontrou outra forma de precificar o contrato, utilizando como parâmetro o preço por rack obtido em outras contratações públicas. Trabalho que a área de compras do Serpro não fez.

“Como conclusão, adotando apenas esse item (rack), verificou-se potencial risco de a estimativa de preços do Serpro estar mais elevada em cerca de 50% quando comparada a outras aquisições”, informou o ministro Bruno Dantas.

Gestão anterior

Em sua defesa, o Serpro divulgou uma nota na qual jogou a responsabilidade da precificação para a gestão anterior e negando os resultados da investigação da SEFTI.

“O Serpro elaborou, seguindo a Lei e seu Regulamento de Licitações, orçamentos e pesquisas de mercado que evidenciaram que o método adotado, de Operação & Manutenção, no regime “turn-key” é mais barato e representa a melhor alternativa para economia da empresa, ao invés de licitar uma obra de engenharia, cujo orçamento feito em gestões passadas alcançaria o valor de R$ 738 milhões – qualquer suposto orçamento dessa monta não se refere a esse processo”, alegou a estatal.

Não se tem notícias de que a gestão Glória Guimarães tenha orçado em R$ 738 milhões um projeto nessa direção. Ao contrário, segundo reportagem que fiz na época no portal Convergência Digital, a estatal não tinha recursos, sequer, para bancar uma obra de revitalização no datacenter de São Paulo, visando uma “consolidação de datacenter”. E jogou a tarefa para a futura administração no Governo Bolsonaro.

É a segunda vez que o Serpro se vê às voltas com o TCU por conta de contratações de bens e serviços de informática. Até agora o tribunal tem sido tolerante em não punir a direção da estatal, apesar de constatar indícios de sobrepreços de mais de 50%.

*Resta saber até quando o TCU seguirá nessa direção. A persistir nesse modelo e se ocorrer um terceiro episódio, o TCU ao menos deveria recomendar que o Serpro peça música no Fantástico.

VEJA A ÍNTEGRA DA DECISÃO DO MINISTRO BRUNO DANTAS DO TCU.