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Por Jeovani Salomão* – A foto era antiga, embora já colorida. Tempos em que meus filhos não haviam nascido e sequer aliança existia nos dedos. Meu sogro, curioso, tentava compreender quem eram as pessoas ao fundo, compondo aquela captura de imagens nostálgica. De repente, minha esposa começa as gargalhadas. Intrigados, os demais presentes no ambiente perguntaram o que havia ocorrido. A resposta veio com os movimentos dos dedos. Aproximação repetida do indicador com o polegar e subsequente afastamento. Meu sogro estava tentando dar zoom em uma fotografia impressa!

A tecnologia vicia. Tanto é assim, que algo inexistente em nosso cotidiano passa a ser vital em matéria de pouco anos. Com ênfase para o fato de que as inovações se propagam cada vez mais rapidamente. No caso da fotografia, a primeira fotogravura permanente registrou a imagem do Papa Pio VII, provavelmente em algum momento de 1822. No caso, não se utilizou nem máquina nem lente. O autor da façanha foi Nicéphore Niépce, o qual, desde 1816, efetuava testes de captação de luz em diferentes dispositivos, utilizando-se de cloreto de prata.

Em 1834, temos a participação histórica de um suíço-brasileiro, Hércules Florence, que cunhou o termo fotografia. Já em 1839, surge o primeiro equipamento fabricado em padrão industrial, denominado daguerreótipo, cujo nome deriva do seu idealizador Louis Daguerre. O processo evoluiu até o final do século passado, recheado de aventuras sociais, culturais, artísticas e econômicas. Desta última faceta, com destaque para a ascensão e ruína da Kodak. No ceio dessa empresa, por ironia do destino – ou seria melhor dizer por miopia-, o engenheiro Steve Sasson criou, em 1975, um dispositivo considerado a primeira câmera digital. Para quem não conhece a saga, a gigante do setor, apesar da invenção efetuada, não colocou a inovação no mercado, com  receio de que pudesse atrapalhar suas vendas de equipamentos tradicionais. No final das contas, outras empresas o fizeram e levaram a Kodak à falência em 2012.

Apesar do invento de 1975, a foto digital ganhou força e se popularizou apenas no século XXI, em função dos celulares. Em pouco menos de 20 anos, as fotografias analógicas passaram de predominantes para se transformarem apenas em um hobby de aficionados. Comparando as velocidades históricas das duas modalidades de retratos, percebe-se um caso concreto de o quão mais rapidamente as tecnologias recentes se desenvolvem e dominam o mercado, superando as mais antigas.

Na sexta feira, 19/03, houve uma interrupção dos serviços do WhatsApp. Segundo Facebook, a falha foi global e durou apenas 45 minutos. Neste pequeno lapso temporal, 230 mil menções ao aplicativo foram efetuadas no Twitter.  Da minha parte, verifiquei com os membros da família próximos fisicamente no momento se o software de mensageria estava funcionando, além de ter recebido e-mails que foram utilizados em substituição ao app.

Não é para menos, segundo o site Statista, em 2019, a média de mensagens trocadas por minuto pelos usuários do WhatsApp foi de 41,6 milhões, equivalente à aproximadamente 60 trilhões por dia! Segundo a mesma fonte, em 2021, estima-se que a quantidade de e-mails por dia será de “apenas”  319 bilhões. O primeiro correio eletrônico foi enviado em 1971, enquanto o precursor dos aplicativos de mensagem instantânea surgiu em 1996 (ICQ). Já o WhatsApp foi criado em 2009.

Provavelmente, você já deve ter se apercebido que há uma inconveniência (além do excesso de mensagens e dos chatos dos grupos dos quais você participa) nos aplicativos de mensageria: eles não se comunicam entre si.

Caso você tenha se decidido por um, somente pode falar com usuários da mesma plataforma. Não é possível, por exemplo, mandar mensagens do Telegram para o Messenger e vice-versa. Ao contrário, pouco importa se você prefere uma ou outra ferramenta de e-mail, suas cartas virtuais vão chegar para qualquer destinatário; basta saber o endereço eletrônico dele.

A introdução das tecnologias no nosso cotidiano é acelerada e irreversível. Os mestres designers descobriram formas de nos viciar em seus inventos. Mesmo aqueles nascidos antes do boom inovativo dos dias atuais. As vantagens deste fenômeno invasivo são inúmeras, tanto quanto os riscos associados. Evidentemente, assim como meu sogro, eu prefiro poder dar zoom nas imagens. Mas, em compensação, acho que a minha infância, repleta de brincadeiras de rua, foi muito mais divertida do que a das crianças de hoje.

*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.