Catálogo de preços Microsoft direcionará governo a fornecedor exclusivo

O anúncio do governo de que poderá conseguir descontos de até 35% nos preços de soluções da multinacional – ao adotar um catálogo com média de preços praticados pela empresa – carece de credibilidade. E tende a direcionar os futuros contratos de aquisições para uma única revenda Microsoft.

Há sérias dúvidas no mercado sobre como o governo teria conseguido a façanha de encontrar um preço base para as licenças Microsoft no período 2017 a 2019, levando em conta as informações que a própria multinacional informava em sua página.

Isso porque, para se chegar a um preço considerado bom para aquisições das licenças Microsoft, o governo não pode considerar como parâmetro para uma tabela de 2019, os preços que a companhia praticava em 2017. O dólar naquela época era menor que o câmbio atual, que oscilou em setembro na casa dos R$ 4.

Então fica a pergunta: qual foi a mágica cambial encontrada pelo governo, que faz com que acredite que poderá desconsiderar essa oscilação no câmbio para cima? Sem contar que o governo, segundo algumas revendas, tem conseguido constantemente reduções de preços de até 30% nos pregões que realiza para aquisições de licenças de software. Então, qual seria exatamente a margem de economia que agora se espera com o novo catálogo?

Direcionamento

Mesmo que o governo possa algum dia esclarecer essa questão de redução de preços porque encontrou essa mágica na própria página da Microsoft, ainda restam dúvidas sobre as reais intenções de estabelecer esse “tabelamento” para os principais fornecedores de software (Microsoft, IBM, Oracle, VMWARE, Red Hat… e cadê a SAP?). A tendência é de se acreditar que haverá em breve um cenário de direcionamento das compras para a principal revenda da multinacional: a Brasoftware.

A ideia da redução de preços através de um suposto catálogo poderia ser interessante, se a Microsoft desse tratamento isonômico a todas as suas revendas, coisa que não faz. Empresas acusam a Brasoftware de monopolizar o mercado governamental e que já teria 80% dos contratos com o governo.

“Não sei de onde tiraram que temos 80% de market share de Governo. A Microsoft não divulga essa informação, mas imaginamos que não temos nem metade disto”, declarou Jorge Sukarie, sócio-diretor da Brasoftware (foto).

A relação do faturamento de empresas que fornecem soluções da multinacional ao governo mostra claramente que o mercado está concentrado na Brasoftware, e que ocupa a primeira colocação no ranking bem disparada das demais.

Os dados abaixo constam no Portal da Transparência Federal e levam em conta apenas os contratos que as revendas têm com a Administração Federal (excluídos bancos públicos e empresas estatais).

BRASOFTWARE – R$ 232 Milhões
SOFTLINE INTERNATIONAL BRASIL- R$ 41,8 Milhões
PROCESSOR SOLUCOES TECNOLOGICAS – R$ 13,6 Milhões
SOFTWAREONE – R$ 11,4 Milhões
SONDA PROCWORK – R$ 7,9 Milhões
INGRAM MICRO – R$ 5,7 Milhões
UOL DIVEO TECNOLOGIA – R$ 5,6 Milhões
LANLINK INFORMATICA – R$ 2,9 milhões
SOLO NETWORK BRASIL – R$ 1,4 milhão
TELEFONICA DATA – R$ 507,6 Mil
DELL SOUTHERN EUROPE – R$ 293,6 Mil

Então é questionável a boa intenção do governo de criar um catálogo de preços, que no fim das contas irá direcionar as compras de software Microsoft para apenas um único grande fornecedor. Não condiz com o discurso que defende de retirar o Estado de atividades econômicas que são inerentes ao mercado privado.

As revendas Microsoft quando vão para uma disputa comercial em um contrato com um órgão do governo, em tese, trabalham os mesmos preços. A multinacional dá tratamento isonômico em relação a isso, para evitar que haja denúncia de favorecimento para uma única revenda.

“Os preços da Microsoft são rigorosamente iguais para todos os parceiros por regras de compliance. Não existe um centavo de diferença”, explica Jorge Sukarie.

Ocorre que não é no preço, em si, que as empresas apresentam como base para a disputa num pregão que levaria a Brasoftware a vencer praticamente quase todas as disputas em relação às demais. E muito menos será o catálogo governamental que irá induzir tal disputa. Ao contrário irá gerar mais concentração.

O que acaba colocando a Brasoftware como a líder disparada no ranking (R$ 232 milhões; que segundo algumas revendas já pode ter ultrapassado a mais de R$ 400 milhões), tendo a Softline como segunda colocada (R$ 41,8 milhões) está, por exemplo, na capacidade dela obter um limite de crédito junto a Microsoft muito maior que as demais empresas. Além de bonificações melhores pelo sucesso nas vendas de licenças da companhia.

É aí que está o “pulo do gato” da líder, pois com esse limite de crédito ela ganha fôlego para negociar reduções de preços melhores que as concorrentes em pregões eletrônicos.

Muitas revendas alegam que basta olhar as últimas disputas comerciais feitas pelo governo, para se chegar à conclusão de que ninguém consegue acompanhar a Brasoftware por mais de três rodadas de lances num pregão. “Todo mundo perde o fôlego rapidamente, mesmo depois de reduzir parte da margem lucro para tentar enfrentá-la”, declarou um concorrente.

Curioso é que, coincidência ou não, a Brasoftware é bem conhecida pelos atuais técnicos da Secretaria de Governo Digital. E desde a época em que passou a fornecer o Office 365 para o Ministério do Planejamento, ainda no Governo Temer, em substituição ao Expresso, a plataforma de comunicação do Serpro. Na época, era mesma turma de agora, quem comandava a Secretaria de Tecnologia da Informação.

E que recentemente se envolveram numa trapalhada com na tentativa de implantação de uma nuvem federal, que estava pronta para abrigar a Microsoft. Mas na última hora a multinacional se retirou da disputa. E ela tinha entrado com quem? Brasoftware.

Agora os técnicos da SGD correm para a imprensa para anunciar o novo catálogo como se fosse um achado, que pode levar o governo a criar um fornecedor exclusivo Microsoft. Essa história é velha, já ocorreu há anos atrás com o grupo TBA, que acabou sendo barrado no Judiciário.

Esses técnicos alegam na imprensa, que tomaram a decisão do catálogo apoiados em pareceres do Tribunal de Contas da União. Não se sabia desta novidade, de o TCU defender agora a exclusividade de mercado governamental para a revenda líder da Microsoft.