Turismo ao lado de casa

No decorrer da minha vida escolar, aprendi alguns termos que se fixaram em minha memória. Acredito que isso ocorreu porque eu havia percebido, já naquele momento, que quem possui mais conhecimento tem maiores possibilidades de se diferenciar. Lembro-me bem, por exemplo, de “migração pendular”. Essa expressão representa o movimento diário feito por milhões de pessoas, ao redor do mundo, de suas residências para outras regiões, com o objetivo de trabalhar ou estudar, no começo do dia e o seu regresso ao final do dia. A imagem do pêndulo, para mim, sempre saltou aos olhos.

A ampliação das compras, do trabalho e do estudo remotos, que ocorreu de maneira rápida e forçada, em decorrência da pandemia, tem potencial de diminuir esse fluxo permanentemente. O reordenamento urbano, que já vinha sendo discutido em função dos conceitos em torno do tema Cidades Inteligentes, irá se acelerar com o possível esvaziamento dos centros comerciais.

No setor de tecnologia de informação, várias empresas já decidiram reduzir os espaços físicos apenas para salas de reunião e algumas salas de trabalho compartilhadas. Quero crer que escritórios de advocacia, contabilidade, consultorias e outros serviços correlatos já devem estar seguindo o mesmo procedimento.

Simultaneamente, houve uma diminuição drástica das viagens, particularmente, daquelas destinadas ao turismo. Isso tem gerado impactos econômicos tão fortes a ponto do fundador da empresa Airbnb, Brian Chesky, declarar recentemente, em entrevista para rede americana CNCB, que “perdeu quase tudo nas últimas semanas”.

Uma conexão destes dois efeitos pode levar ao remanejamento dos centros urbanos. Buscando referências na ficção científica, em Star Trek, há um ambiente de simulação chamado Holodeck, que consiste em uma sala onde é possível imergir em diferentes ambientes de realidade virtual. Os personagens da série, viajantes espaciais que passam a maior parte do tempo distantes do seu planeta natal, utilizam o dispositivo para reviver os mais belos encantos do seu mundo, efetuar treinamentos físicos e de luta e, até mesmo, ingressar em histórias dos livros preferidos. O Holodeck reproduz com perfeição lugares, pessoas e, inclusive, sensações.

Para aqueles que pensam que essa é uma tecnologia ainda distante, compartilho a experiência que tive em Orlando no final do ano passado. O primeiro grande sucesso da tecnologia 3D no cinema foi o filme “Avatar”, lançado em 2009 e que até hoje ocupa o posto de segunda maior bilheteria de todos os tempos, com quase U$ 3 bi. Para os curiosos, o número 1 da lista é “Avengers: Endgame”.

Pois bem, no parque Animal Kingdom da Disney, fui com a família ao brinquedo Flight of Passage, que simula o voo em uma criatura do filme “Avatar”, chamada Banshee. A impressão que tivemos foi de estar realmente voando pelas paisagens do filme. A sensação era completa: movimento, vento, respingos de água e até os cheiros característicos de cada panorama.

Como ocorre em qualquer digitalização de serviços, os custos das tecnologias envolvidas tendem a diminuir ao longo do tempo, permitindo acesso a um volume cada vez maior de usuários. Com a realidade virtual ocorrerá exatamente o mesmo, mas de forma ainda mais rápida pelos impactos da pandemia.

Em breve, espero poder visitar Paris, a Toscana, o delta do Amazonas, Lisboa, a muralha da China, fazer um safari na África do Sul, as cataratas do Iguaçu, as praias do Caribe, a aurora boreal, depois sair das salas de realidades virtual e encontrar com você, na fila da pipoca, no centro da cidade, onde era aquele complexo de escritórios comerciais que já não mais existem.

*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.