Serpro já tem empenho de R$ 4 milhões para pagar revenda Google

O Serpro tem um comunicado de empenho no Portal da Transparência para pagamento de R$ 4 milhões à empresa RW3 Tecnologia, que representa os interesses do Google na estatal, através de um contrato de parceria denominado “Teamwork”, do qual a multinacional Zimbra também faz parte. Se já pagou esse empenho não se sabe, a estatal não informa sobre esse tipo de contrato, resguardado sob “sigilo comercial”.

O contrato nasceu ainda na gestão da ex-presidente do Serpro, Glória Guimarães, e o “condutor” do processo de “acolhimento” na estatal foi o ex-diretor de Operações, Iran Porto, que no Governo Bolsonaro foi deslocado para a Diretoria de Desenvolvimento, para depois ser exonerado da função em junho deste ano.

A RW3 tecnologia – nome fantasia da empresa RJR Comércio e Serviços de Informática Ltda – é um fenômeno no mercado de informática. Com capital social de R$ 200 mil, mas ostentando a bandeira “Google”, tornou-se peça-chave para abrir as portas da multinacional no Serpro.

Por conta disso, ganhou até a dispensa de licitação para prestação do serviço de integração na estatal da suíte de aplicativos Google, com base na Lei das Estatais (13.303/2016). Um sonho acalentado por nove entre dez empresas privadas, que gostariam de ganhar contratos no governo deste gênero, sem ter de disputar uma concorrência feroz.

Ela chama a atenção pela proximidade e desenvoltura com que circulou na estatal nos últimos anos. Pelo volume de reuniões privadas, por exemplo, que manteve com a direção do Serpro, até o anúncio oficial da parceria em novembro de 2018, no apagar das luzes do Governo Michel Temer e já iniciando o processo de transição para o Governo Bolsonaro.

Fato que não é normal ocorrer entre fornecedores com o governo, pelo menos não com empresas consideradas “pequenas” para o tamanho do seu capital social. Pequena ou não, o fato é que a RW3 teve uma quantidade espantosa de reuniões que antecederam ao contrato com o Serpro, parceria que ninguém tem acesso, pois o acordo com a multinacional e a revenda Google está guardado sob o argumento do “sigilo comercial”, também facultado pela lei.

Essa “proximidade” foi detectada pelo Capital Digital pelas agendas de Glória Guimarães, então presidente do Serpro e do diretor de Operações na época, Iran Porto Junior. O suposto primeiro contato foi com Glória na sede da estatal no dia 6 de julho de 2017:

O site Capital Digital não conseguiu registrar novos encontros em 2017. Mas o retorno da Rw3 ao Serpro teria ocorrido, com certeza em 13 de março de 2018, segundo a agenda do então diretor de Operações, Iran Porto Junior, publicada na página do Serpro.

Curiosamente a direção da RW3 voltou ao Serpro dois dias depois, no dia 15 de março de 2018, para uma nova rodada de reunião com o mesmo diretor da estatal na época. Não está descartada a hipótese da reunião do dia 13 de março ter sido cancelada e remarcada para dois dias depois:

Depois um novo contato foi solicitado pela RW3 à Diretoria de Operações e esse encontro teria ocorrido no dia 25 de abril de 2018, na sala de Iran Porto Júnior:

Após essa fase de contatos com Iran, a RW3 tecnologia ganhou uma nova reunião com a então presidente do Serpro, Glória Guimarães. Só que desta vez, em 30 de maio de 2018 – ainda no Governo Temer – Glória recebeu não apenas o diretor da RW3, Roberto Florentino mas, também, João Carlos Bolonha, diretor da Google Cloud Brazil. Outros diretores do Serpro estiveram presentes ao encontro.

As tratativas para o fechamento do acordo Google/Serpro podem ter continuado nos meses seguintes, até que em novembro a estatal anunciou durante o 13º Congresso de Inovação no Poder Judiciário – Conip Judiciário e Controle 2018 a criação do “Teamwork”, a parceria com o Google e também a multinacional Zimbra, que já executava na época o projeto do “Serpro Mail”. Porém, efetivamente o contrato só teria sido assinado em dezembro de 2018.

Com a passagem para o Governo Bolsonaro, a RW3 tecnologia continuou como parceira do Serpro sem sofrer nenhum abalo significativo. Ao contrário, os laços comerciais e de amizade parece que cresceram, ao ponto de a empresa patrocinar um evento no qual o presidente do Serpro, Caio Paes de Andrade, foi convidado para dar palestra sobre “Transformação Digital” e o papel da empresa nesse contexto.

A mesma empresa estatal que agora está na lista das privatizações do Ministério da Economia, mas Caio fala apenas na possibilidade de “abertura de capital”. Este mesmo evento contou com o patrocínio da AWS (Amazon Web Services), empresa que segundo fontes do Serpro anda interessada em internar a sua nuvem através do projeto “Estaleiro”.

É, de fato, um fenômeno comercial a empresa Rw3. Apesar de ser uma empresa nova no mercado de TICs de Brasília, conseguiu ter a grande “sacada” de patrocinar um evento no qual não apenas o presidente do Serpro, esteve prestigiando com a sua presença, mas também a presidente da Dataprev, Christiane Edington.

Além deles, também participaram do debate sobre “Transformação Digital o Advogado Roberto Florentino (na foto de camiseta), com direito a mediação feita pelo secretário de Gestão de Informações do Tribunal de Contas da União (TCU), Wesley Vaz (ao lado de Christiane).

Chama a atenção para o fato de até agora o TCU andar mudo com relação à nova modalidade de ação do Serpro, que começou a colocar para dentro do governo empresas multinacionais de Tecnologia sem licitação.

Numa entrevista que me concedeu, quando ainda escrevia para o portal Convergência Digital, Roberto Florentino chegou a explicar que o seu contrato com o Serpro não envolvia pagamento de recursos por serviços prestados. A empresa, segundo ele, estaria participando de um “contrato de risco”, que poderia dar certo ou não.

Ao que tudo indica, começou a dar. Além de ter um empenho de R$ 4 milhões com a estatal. a parceria Google/Serpro através do projeto “Teamwork” já vem rendendo financeiramente para o grupo. Só não se sabe ao certo o quanto e para quem.

Mas já foi publicado no Diário Oficial da União um contrato de R$ 7 milhões com o Ministério da Justiça, no qual o “Teamwork”, sem licitação, prestará serviços de nuvem e desenvolvimento de aplicativos para a pasta. Até o “Serpro Mail” desenvolvido na plataforma Zimbra dividirá esse contrato com o Google, prenúncio de que muitos outros ainda virão. O contrato foi obtido sem licitação porque a estatal será a cabeça dele. As multinacionais somente ganham por conta do uso de seus aplicativos.

Isso, sem contar que eles terão acesso direto às bases de dados do Ministério da Justiça, mas aí não se sabe o que poderão fazer com eles, pois o governo e os organismos de controle vêm fazendo vistas grossas para a questão.

*Com a palavra as demais empresas nacionais e multinacionais de software.