Serpro: qual o papel do Estado na Economia Digital?

O Serpro foi criado como empresa estatal, para lucrar com o uso de informações do cidadão brasileiro?

Em primeiro lugar é preciso esclarecer esse ponto: quando se fala em “lucrar”, isso não significa, necessariamente, que o Serpro esteja “vendendo” dados de cidadãos brasileiros para instituições privadas como os bancos, por exemplo.

Neste caso refere-se ao fato da estatal se valer dos bancos de dados em seu poder, para vender um serviço de validação biométrica de informações de um determinado cidadão, que está pleiteando no mercado privado algum tipo de serviço, bancário, por exemplo.

E por esse serviço estar sendo bem remunerada como intermediária estatal numa transação comercial entre o cidadão e um banco privado.

Por provocação do Ministério Público do Distrito Federal e Territórios – voz que parece ser a única a levantar questionamentos nessa direção – em breve caberá ao Tribunal de Contas da União definir o futuro papel de uma empresa estatal na Economia Digital.

Portanto, que fique claro que a discussão que está sendo levantada não é se o Serpro cometeu alguma ilegalidade ao fornecer a sua aplicação “Datavalid” para bancos, por exemplo.

A empresa tem errado, seja de boa ou má-fé, ao levar a discussão para esse patamar. Quando declara que não está comercializando dados do cidadão e, realmente não está, no estrito senso da palavra, a empresa tem afirmado que não fere a legislação prevista pelo Código de Defesa do Consumidor, ou o Marco Civil da Internet ou ainda, a mais recente Lei Geral de Proteção de Dados Pessoais, que efetivamente só entrará em vigor no ano que vem.

A declaração, entretanto, carrega um conteúdo de subjetividade bastante forte. É de se indagar: ao validar uma solicitação de informações biométricas de determinada pessoa, feita por uma instituição financeira, por exemplo, o Serpro não seria obrigado a acessar um banco de dados, para gerar uma probabilidade estatística de identificação?

Se o fez, então de certa forma não se valeu dos dados em seu poder para prestar o papel de intermediário numa transação comercial privada, entre um cidadão e um banco?

O que se questiona então é a legitimidade desse papel.

Ele é compreensível, por exemplo, quando uma empresa como a Serasa faz o serviço de identificação de uma pessoa através dos dados comerciais que dispõe dela. A empresa foi criada para esse fim.

Mas é papel de uma empresa estatal, ser intermediária de uma transação comercial privada, se valendo de informações contidas em bancos de dados federais?

Então talvez a questão não seja o fato de o Serpro explicar se está ou não ferindo a legislação vigente no Brasil em relação a comércio eletrônico, privacidade ou guarda de dados de cidadãos brasileiros.

O ideal seria o Serpro explicar, se sua atuação não estaria em conflito com o seu Estatuto, enquanto empresa prestadora de serviços de Tecnologia da Informação para o Estado.

No que diz respeito ao seu Estatuto, o artigo 3º coloca dúvidas sobre esse atual papel que a estatal vem desempenhando no mercado, em duas frentes: 1 – sua atuação parece estar restrita à prestação de serviços ao Estado. 2 – Há falta de autorização no uso das informações do dono delas, exigência expressamente determinada pelo Estatuto.

Vejam o que diz o Artigo 3º do Estatuto do Serpro:

Art. 3º – O Serpro tem por objeto social desenvolver, prover, integrar, comercializar e licenciar soluções em tecnologia da informação, prestar assessoramento, consultoria e assistência técnica no campo de sua especialidade, bem como executar serviços de tratamento de dados e informações, inclusive mediante a disponibilização de acesso a estes e a terceiros, desde que assim autorizado pelo proprietário.

Parágrafo único. Os serviços prestados pelo Serpro envolvem matérias afetas a imperativos de segurança nacional, essenciais à manutenção da soberania estatal, em especial no tocante à garantia da inviolabilidade dos dados da administração pública federal direta e indireta, bem como aquelas relacionadas a relevante interesse coletivo, orientadas ao desenvolvimento e ao emprego de tecnologia brasileira para produção e oferta de produtos e serviços de maneira economicamente justificada.

*Volto a repetir a pergunta, para quem tiver interesse em respondê-la: Seria papel do Serpro lucrar na prestação de um serviço de validação biométrica, como intermediário, em transações comerciais privadas entre bancos e seus clientes?

*Imagem obtida através de comunicado oficial da Assessoria de Imprensa do Serpro.