Ao Mestre, com carinho

Nem sempre concordo com o colega, temos visões políticas diferentes. Mas é inegável a contribuição de Ethevaldo Siqueira para o jornalismo brasileiro e para o setor de TICs.

Tenho por ele a maior admiração e ao tomar conhecimento desta carta que ele endereçou à direção da CBN – do Grupo Globo – Ethevaldo Siqueira só confirma a sua marca registrada adquirida ao longo de anos de carreira como jornalista: a coragem.

Essa carta foi dirigida a Ricardo Gandour, executivo da CBN encarregado de promover mudanças na emissora, muitas delas questionáveis.

Inconformado com o tratamento dado à sua proposta de trabalho na emissora – ele já estava lá há 10 anos – Ethevaldo diz tudo o que muita gente gostaria de dizer sobre a nova política da emissora, sob controle de Gandour: 

Prezado Ricardo Gandour

Nesta altura de minha vida, com maior experiência acumulada, posso dizer-lhe algumas verdades relacionadas com o meu trabalho. Meu propósito é unicamente contribuir para a melhoria do mundo em que vivo, ainda que isto lhe pareça algo quixotesco.

Reveja os fatos, Gandour. Quis o destino, caprichosamente, que entrássemos em rota de colisão duas vezes, em nossa vida profissional. Primeiro, no Estadão, com a deterioração progressiva de nosso relacionamento, a ponto de me levar a encerrar minha colaboração com o jornal em 2012, após 45 anos de casa.

Nesta segunda vez, o impasse começou quando você propôs cortar meus comentários diários e reduzir minha remuneração fixa a uma hipotética comissão sobre patrocínios publicitários de um único programa de final de semana. Essa proposta inaceitável foi sua resposta à sugestão que eu lhe havia feito de manter meus comentários diários sobre tecnologia e ampliar minha contribuição com novos programas semanais e mais coberturas internacionais. Tudo sem nenhum aumento de minha remuneração ou ônus para a CBN.

Ignorando tudo que lhe propus, você me informou em mensagem de 10-02-2017 que meus comentários diários, em vigor há 10 anos, seriam “descontinuados” sob o argumento ridículo de que eu não teria novos assuntos para esses comentários “dada a natural carência de assunto e novidades todo santo dia”. Até jovens adolescentes sabem que o mundo é inundado “todo santo dia” por inovações tecnológicas. E você, como engenheiro, mais do que ninguém, sabe disso. Em resumo, sua proposta de trabalho era apenas um pretexto para me forçar a encerrar minha colaboração ao final do contrato, em 31-03-2017. Foi o que fiz.

Suas atitudes, Gandour, são o retrato de sua personalidade. Já que havia decidido abrir mão de minha colaboração, teria sido muito mais honesto e elegante para você responder-me: “Ethevaldo, seu contrato de trabalho não será renovado. Você estará dispensado a partir de 31 de março de 2017. Obrigado por seus serviços, ao longo de 10 anos na CBN.”

E ainda escreveu na mensagem de 10 de fevereiro que a CBN continuaria a me conceder o privilégio de “me enviar cartas de apresentação”, para meu credenciamento como jornalista na cobertura de eventos internacionais. Quanta generosidade de sua parte. Aliás, é bom relembrar que, desde 2013, tenho feito todas as coberturas nacionais e internacionais com recursos pessoais, sem qualquer remuneração e sem nenhum reembolso das despesas de viagens.

Temo pela sobrevivência da CBN, Gandour. Sua estratégia e suas “decisões de planejamento” trazem o desencanto para muitos profissionais. Você não dialoga, não cria boa vontade, não soma, não agrega. Parece estar perdido num tiroteio. Não conhece o mundo da radiodifusão. Muda por mudar. Detesta profissionais mais experientes do que você.

Gandour, eu tinha ilusões de que você fosse hoje outro ser humano e melhor profissional. Mas me enganei. No seu dia a dia, você continua o mesmo profissional imaturo, recalcado vaidoso e incapaz de despertar o menor entusiasmo e colaboração criativa em seus comandados. Continua sendo aquele chefete que conheci no Estadão, muito longe de ser um líder.

Com seu estilo autocrático, acabará por transformar a CBN, na melhor das hipóteses, numa emissora qualquer, medíocre, sem nenhum carisma e com muito menor credibilidade. Aliás, já se especializou nesse tipo de desmonte. Mas apenas em jornais. Basta ver de perto o resultado de sua passagem pelo Estadão.

Digo-lhe, no entanto, que guardarei com orgulho e muita saudade a lembrança dos 10 anos que passei nessa emissora. Sinto que pus um minúsculo e humilde tijolo nos alicerces de um grande edifício. Da mesma maneira, guardo na memória os 45 anos vividos no Estadão, um jornal quase lendário ao qual dediquei o período mais produtivo de minha vida. Sei que, a rigor, nada disso lhe interessa, até porque você não tem a menor ideia do que significam esses valores.

Sem nenhuma experiência em radiodifusão, que caiu na CBN como paraquedista, você está aqui para executar à sua moda as “decisões de planejamento”. E cumpre sua missão magistralmente: tapa o nariz e faz o serviço frio e cruel (para não dizer “serviço sujo”).

Supunha que, depois de um estágio em Columbia, você tivesse aprendido algo muito mais moderno e eficaz, como as estratégias de renovação criadora, muito mais avançadas do que as de sua terapia vesga e rancorosa.

Veja apenas um exemplo do que já tem sido adotado por grandes veículos no mundo, nesta era de mudanças de paradigmas. Refiro-me à associação do poder de comunicação do rádio com as redes sociais. O site das empresas modernas funciona como uma vitrine, ou uma sala de visita, não apenas para as novas gerações mas para os ouvintes em geral.

Note a pobreza visual e de conteúdo do site da CBN – situação que, aliás, vem de longe. Mas você consegue piorar. E lembre-se que o Brasil tem hoje mais de 100 milhões de usuários de smartphones e tablets. Mas isso talvez seja grego para você.

Entendo a urgência de equilibrar as contas da rádio, mas isso não pode ser feito simplesmente com a demissão de jornalistas e comentaristas comprovadamente capazes. É claro que você pode e vai equilibrar as finanças da rádio, mas pelo pior caminho, pois seu sucesso poderá ser uma vitória de Pirro, a nova CBN poderá ser apenas um espectro do que já foi.

E, ao final de seu contrato, se ainda houver quem acredite na sua competência como executivo, você será chamado para negociar o aluguel da emissora a uma igreja qualquer. Como aconteceu recentemente com a Rádio Estadão.