Aprenda com a História

Recebi esse registro histórico abaixo, de funcionários da Dataprev. E considero importante para ajudar no debate sobre o processo de privatizações que o governo Bolsonaro pretende fazer. Nada melhor do que aprender com os erros, narrados em fatos ocorridos em outras administrações. Nesse capítulo de hoje, o tema “dependência tecnológica” entra em discussão.

Julguem vocês mesmos. Segue o texto:


DATAPREV – Responsabilidade com a continuidade do serviço aos cidadãos

A palavra “história” tem origem no idioma grego e é oriunda do vocábulo “hístor”, que significa “aprendizado”, “sábio”. Sendo assim, faz referência ao conhecimento obtido a partir da investigação e do estudo. A importância da História está em seu papel de nortear o homem no espaço e no tempo, dando-lhe a possibilidade de compreender a própria realidade1. Dito isso, voltemos ao passado para entender o que se passa hoje com a privatização das empresas de TI do governo federal.

Em 1999, a Unisys, uma empresa privada multinacional, comprou, em processo de privatização, a Datamec, empresa pública que desenvolvia e suportava os sistemas (Programa Seguro-Desemprego, Cadastro Geral de Empregados – Caged e Sistema de Gestão das Ações de Emprego – Sigae por parte da contratada) do Ministério do Trabalho e Emprego – MTE até então. No período entre 1999 e 2005, a referida empresa sempre foi contratada por inexigibilidade ou dispensa de licitação, tendo em vista que a tecnologia adotada na construção dos sistemas de informação é de natureza totalmente proprietária e exclusiva, e por essa razão somente poderiam ser executadas nos computadores de fabricação da Unisys. Gerando uma situação de total dependência tecnológica e operacional em relação a empresa em tela.

A partir de 2003, segundo relato contido na Nota Técnica 037/2006/CGI/SPOA/SE/MTE, diversos problemas relativos à condução do contrato e à ameaça velada da Unisys de paralisar os serviços considerados de notória relevância social levaram o MTE a acionar a empresa visando à continuidade da prestação do serviço e à adoção de medidas para viabilizar a internalização pelo MTE dos referidos sistemas.

Em agosto de 2004, diante de “fundado receio de grave lesão ao patrimônio público, à ordem social e econômica decorrente da iminência da interrupção na prestação de serviço público essencial” (…), o MTE propôs uma ação cautelar, com pedido de liminar para que a Unisys Brasil Ltda. disponibilizasse, imediata e continuamente, o acervo de dados e códigos-fontes constituídos durante o Contrato com o MTE a fim de viabilizar a migração para os novos sistemas.

A ação fundamentou-se na ameaça de interrupção dos serviços essenciais de operacionalização do Programa Seguro-Desemprego, execução operacional do Cadastro Geral de Empregados – Caged e Sistema de Gestão das Ações de Emprego – Sigae por parte da contratada. De acordo com a petição, o MTE tentou, em diversas oportunidades, renegociar os termos do contrato com a Unisys , antes do seu término, pelos seguintes motivos (…):

(…)

b) (…) o preço cobrado pela empresa Unisys era incompatível, utilizando-se parâmetros e métrica de mercado;

c) porque a tecnologia utilizada pela Unisys foi estruturada em uma arquitetura de informação proprietária, (…) o que obrigou o MTE a ser dependente desses sistemas sem qualquer possibilidade de processo seletivo licitatório;

d) por fim, em pleno processo negocial, a Unisys notificou que encerrará a prestação dos serviços imediatamente – 12/08/2004 – caso o MTE não efetue o pagamento dos valores glosados, mesmo reconhecendo a Ré, expressamente, que as glosas, em parte, são procedentes;

(…)

Conforme relatório da auditoria objeto do TC 005.449/2005-7: “(..) A Unisys condiciona a entrega dos dados, código fonte, bem como da documentação técnica dos sistemas, à assinatura de um Termo de Ajuste, objeto de pendência judicial que se arrasta há mais de um ano, numa verdadeira afronta à soberania nacional. (…)” .

Em 2005, o MTE e a empresa Unisys firmaram um Termo de Ajustamento de Conduta (TAC), válido por 12 meses, com a interveniência do Ministério Público Federal, no qual foram estabelecidas as condições para a continuidade dos serviços. Ao mesmo tempo, desenvolveu negociações junto à Empresa de Tecnologia e Informações da Previdência Social – Dataprev para que esta elaborasse novos sistemas para o MTE em plataforma baixa, o que permitiria a prestação de serviços por várias empresas presentes no mercado brasileiro.

Em 2006, finalizado o período do TAC, a Procuradora da República – Dra. Raquel Branquinho –, que atuou ativamente no processo e na condução do TAC, recomendou que o MTE firmasse um Contrato Administrativo que teria vigência concomitante com o novo Termo de Ajustamento de Conduta, que seria firmado entre o Ministério, a Unisys e a Dataprev, a fim de garantir a continuidade da prestação dos serviços concomitantemente com o repasse da tecnologia relativa aos sistemas para Dataprev. Sendo assim, em 2007 foi iniciado o referido repasse tecnológico e migração que ocorreu até 2011.

Por fim, todo esse processo de transferência e migração dos sistemas para a Dataprev que envolveu diversas dificuldades foi finalizado em 2011 com uma celebração. Nesse momento, foi realizada entrevista com a Procuradora da República, Dra. Raquel Branquinho, que trabalhou ativamente pelo TAC no MPF. Questionada sobre os benefícios para a sociedade do resultado do TAC, ela responde: “A sociedade brasileira é, sem sombra de dúvidas, a mais beneficiada com essa mudança tecnológica”. E detalha sua resposta: “(…) recursos públicos poderão ser mais bem utilizados em razão de melhores ferramentas de gestão à disposição do MTE e também pela possibilidade de redução de fraudes (…) (…) o usuário do serviço do seguro-desemprego também será atendido de forma mais rápida e eficiente”.

Esse Acórdão é história viva que se repete hoje com nova privatização de empresas públicas de TI, Dataprev e Serpro.

Baseado em tudo que foi exposto somos levados a concluir que a diferença fundamental de um serviço ser prestado por organização pública ou privada é a continuidade no fornecimento do serviço em momentos no qual seu pagamento é interrompido. Uma empresa privada tem responsabilidade com os seus donos e acionistas, pois precisa gerar lucro para atendê-los. Na falta de pagamento, ela interrompe o fornecimento. Por outro lado, uma empresa pública tem responsabilidade com a coletividade. Mesmo sem receber os pagamentos devidos, ela continua fornecendo o serviço porque a sociedade deles necessita. Para enfatizar esse argumento, podemos citar a situação que a Dataprev passou durante a última grande crise financeira, na qual passou diversos meses sem receber pelos serviços de desenvolvimento, manutenção e processamento e, em nenhum momento, interrompeu ou ameaçou interromper tais serviços.

Referências

TCU. Acordao TCU 2418/2006 – Processo TC-028-145-2006-0 – TAC Unisys/Datamec para DATAPREV no MTE. 2006. Disponível em: www.tcu.gov.br/Consultas/Juris/Docs/judoc/Acord/20061213/TC-028-145-2006-0.doc. Acesso em: 08 set. 2019.

Dataprev. Revista Dataprev Ano 3 e nº 6. Entrevista com Raquel Branquinho. 2012. Disponível em: http://portal.dataprev.gov.br/sites/default/files/arquivos/publicacoes/revista_dataprev_resultados_ano3_n061_0.pdf. Acesso em: 08 set. 2019.

Empregados em defesa da DATAPREV