Venda de estatais jogará Brasil num monopólio privado do comércio de dados

O balanço de 2020 do Serpro em que ele apresenta um lucro de R$ 128 milhões com a venda de dados e serviços (duvidosos) à iniciativa privada (10 mil empresas já tem negócios com a estatal, segundo esse balanço), sinaliza que o Brasil caminha para um monopólio privado da comercialização de dados dos brasileiros.

Dentro e fora do país, já que o Serpro em seu balanço anuncia o seu processo de “internacionalização” em parceria com multinacionais.

Como ainda não se sabe e duvido muito que saibamos previamente, sobre qual o modelo de privatização que o Ministério da Economia quer para o Serpro ou a Dataprev, já que o governo nunca debateu a estratégia, só é possível imaginar um cenário deste mercado de dados após a privatização da estatal.

Comprar o Serpro está virando um bom negócio, o próprio balanço da estatal sinaliza isso, mas por enquanto só os futuros “players” parece que estão prestando a atenção nisso. Quem se aventurar terá a guarda dos dados de todos os cidadãos brasileiros nas diversas atividades que eles interagem com o governo.

Querem melhor perfil sócio/econômico de brasileiros do que este?

A privatização do Serpro ou da Dataprev será para poucos, já que nem todos terão dinheiro para bancar tamanho negócio, mesmo se fosse em consórcio. Significa que um pequeno grupo com dinheiro em caixa terá o monopólio desta atividade.

E pensam que esse monopólio será somente no setor público?

Até agora o discurso da privatização das estatais se limitava ao fato de que, mesmo que tenham sido criadas para prestar serviços ao Estado (e não apenas governos), “o Estado não deveria interferir em atividade econômica privada”.

Ou seja, a birra com as estatais se dava no campo dos contratos públicos, fatia de mercado onde as estatais naturalmente prevalecem e incomodava as empresas privadas que querem a todo custo ter esse acesso.

Porém, o problema vai muito além dos contratos públicos de serviços. Tanto o Serpro quanto a Dataprev (em menor escala) lentamente começam a despontar como provedoras de acesso aos seus bancos de dados e cobrando ilegalmente – são dados abertos – por pacotes junto às empresas interessadas em fazer a mineração deles. Isso vem ocorrendo desde 2019.

Então, a privatização das estatais que vem sendo debatida internamente no Ministério da Economia ganhou novos contornos. Vai muito além da ideia de tirar um “concorrente estatal” nos contratos do governo ( lembrando que elas foram criadas para atender ao Estado).

O que o Ministério da Economia vem fazendo sem nenhuma contestação do mercado é transferir esse “monopólio” estatal do controle dos dados dos brasileiros para uma grande empresa privada ou um consórcio.

E aí resta indagar das startups, dos micro e pequenos empresários que não terão ‘bala na agulha’ para comprar estatais: vocês estão preparados para negociar o acesso aos dados dos brasileiros, no preço que for estipulado, com quem venha ganhar o monopólio da guarda desses bancos dados federais?

Felizmente alguma pessoa de bom senso neste governo (e elas ainda existem lá dentro), alertou ao presidente Bolsonaro para vetar o parágrafo terceiro do Artigo 29 na recém sancionada “Lei das GovTechs” ( nº14.129). Esse parágrafo abria o flanco para órgãos públicos e estatais cobrarem das empresas mineradoras de dados por pacotes contendo informações de brasileiros.

Que por lei já estavam abertos, mas algum espertalhão viu que precisava criar um mercado cativo para quem for comprar o Serpro e a Dataprev. Tal estratégia tinha apenas uma intenção: sinalizar ao futuro comprador que ele será monopolista no mercado de venda de dados. Desde que pague caro pela compra das estatais, claro.

Monopólio significa preço mais caro para quem depender de serviços depois. Um exemplo clássico ocorre no serviço de telefonia. As teles repassam para o consumidor impostos que são cobrados pelos governos (estadual ou federal). Quanto mais impostos, maior o preço para o consumidor pagar na ponta. A regra é simples.

E será aplicada da mesma forma quando você for adquirir aplicativos necessários para interagir com governos. Se estiverem nas mãos de um controlador privado, qualquer custo será repassado ao cidadão.

*O interessante nessa lógica é que você continuará pagando impostos para ter serviços de governos. Mas terá de pagar também a um entre privado, que alegará que precisa manter uma boa infraestrutura para garantir um bom serviço à você.