Paulo Guedes quer lucrar vendendo a população pobre

Se estivéssemos vivendo um ambiente normal, do ponto de vista moral, a frase proferida ontem pelo ministro da Economia, Paulo Guedes, não passaria despercebida. Mas não, vivemos hoje uma grande rede social, onde tudo é possível; não há mais limites legais ou morais nas relações entre governo e sociedade e, sobretudo, com o “mercado”. Vale tudo, segue a máxima de que a “Internet é uma terra sem lei”.

Ontem (20) a versão online dos jornais em todo o país anunciaram a disposição do ministro da Economia, Paulo Guedes, de transformar a área de Tecnologia da Caixa Econômica Federal em uma subsidiária, para depois vendê-la pela melhor oferta. A frase proferida por ele, segundo os jornais, foi a seguinte:

“O Brasil é uma democracia digital. Na pandemia digitalizamos 64 milhões de pessoas. Quanto vale um banco que tem 64 milhões de pessoas que foram bancarizadas pela primeira vez e serão leais pelo resto da vida? Estamos planejando um IPO deste banco digital nos próximos seis meses”.

Nunca tinha visto uma frase de ministro com tantos questionamentos possíveis. A começar por “democracia digital”. Se vivêssemos tal democracia, estatais não sairiam contratando monitoramento de redes sociais para impedir que funcionários manifestem sua insatisfação com a empresa. E amparados em decisões judiciais, que também não levam em conta o princípio constitucional da liberdade de expressão.

Desconheço a existência de um banco que não tenha uma área própria de Tecnologia. Se existe, juro que nunca vi ou ouvi algo à respeito. Já vi bancos terceirizando serviços, contando com o apoio tecnológico de empresas, mas daí para não ter uma área de TI é novidade para mim.

Do ponto de vista legal é possível?

A julgar pela última decisão do Supremo Tribunal federal, que permitiu o esquartejamento da Petrobras, para deixar que a estatal venda cinco refinarias, sim. Independentemente se o Pais irá pagar caro lá na frente pelo preço do óleo refinado.

A área de Tecnologia de um banco é a responsável não apenas pela prestação de serviços aos clientes. Ela é a guardiã do sigilo fiscal das operações que um cliente faz, também impede fraudes no sistema financeiro. São missões que vão muito além do desenvolvimento de aplicativos. Um banco pode abrir mão dessa missão e esperar que não haja uma reação negativa da sua carteira de “clientes”? É possível transferir tais atribuições?

Mas a declaração de Guedes peca nos detalhes. Primeiro, ele não está vendendo uma carteira de clientes, ele está vendendo dados. O mais interessante é que ele usa o argumento de que esses clientes serão “eternamente fiéis” à CEF. Será?

A meu ver são 64 milhões de pessoas que só entraram na Caixa para ganhar o auxilio emergencial, nada mais. Antes estavam à margem da sociedade bancarizada, porque não têm renda e banco nenhum se interessava por eles, nem as instituições públicas. Acabando o auxílio emergencial no ano que vem será que vão continuar usando o banco?

Então questiono se alguma instituição financeira terá interesse em levar para dentro do banco uma massa de pessoas sem renda, sem condições de arcar com os altos custos de tarifas por serviços que dificilmente usarão. O máximo de interesse que acredito que terão será comprar o banco de dados dessa turma, para depois revendê-lo para o comércio eletrônico. Se é que essa turma consegue comprar pela Internet.

E se a ideia é vender dados, o que pensa a recém criada Autoridade Nacional de Proteção de Dados, a ANPD? Esse assunto não teria de passar pelo crivo dela?

O mais incrível nesse tipo de declaração é o nível de promiscuidade que esse governo tem mostrado com o mercado financeiro. Até então, a prática de ministros da área econômica falarem com o mercado financeiro não era comum. Pelo menos não como nas diversas “lives” que agora entopem a rede quase que diariamente. E isso tinha uma razão de ser.

Autoridades não podiam ficar falando quase que diariamente com gente que compra e vende ações no mercado. Tais declarações eram interpretadas como manipulação de mercado, o que prejudicava quem não tinha esse nível de acesso privilegiado a essas autoridades.

Agora não, vale tudo em rede. Um ministro entra e fala com operadoras de carteiras de fundos de investimento em bate-papos por videoconferências sem nenhum constrangimento. Ao ponto de até o ministro das Comunicações anunciar recentemente os nomes de interessados na compra dos Correios, por exemplo. Compra essa, que só será efetivada por meio de licitação, em que se esperaria que não fosse um jogo de cartas marcadas. Mas depois do anúncio oficial…

*Enfim, o Brasil abriu mão de ser uma Nação, para virar uma S/A.