Governo vai enterrar R$ 1 bilhão em fibra óptica numa região viável para satélite

Vem aí o programa “Norte Conectado”, lançado hoje (1º/09) pelo presidente Jair Bolsonaro e cúpula ministerial, que terá a missão de repetir o mesmo erro cometido pelo Governo Dilma, ao privilegiar uma infraestrutura de rede inviável para as características da região e que tinha um custo estimado de R$ 600 milhões.

O “Norte Conectado” é uma ‘guaribada’ feita pelo atual governo para não parecer igual ao “Amazônia Conectada”, criado pelo decreto 586 de julho de 2015, na era petista. Um projeto caótico em termos de governança administrativa, que acabou naufragando após a série de problemas constatados na auditoria realizada pelo Tribunal de Contas da União.

Sim, trata-se de obra parada, que atravessou os Governos Dilma, Temer e o início do próprio Governo Bolsonaro, pois o caos da primeira versão constatado pelo TCU foi tornado público já na gestão Marcos Pontes, quando o projeto estava na esfera do Ministério da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações. (ex-MCTIC).

O próprio ministro das Comunicações, Fabio Faria, reconheceu durante a solenidade de lançamento do programa no Palácio do Planalto, que a intenção do presidente Bolsonaro é terminar “obra parada”, que já consumiu recursos públicos em vão.

Os mesmos erros se repetem

A nova versão de Bolsonaro do antigo projeto “Amazônia Conectada” persiste no erro. O “Amazônia Conectada” foi lançado em julho de 2015 pela então presidente, Dilma Rousseff e seria executado pelo Exército Brasileiro em parceria com a RNP, a Telebras e o Governo do Amazonas. A ideia era lançar cabo de fibra óptica entre Manaus e Tabatinga, uma distância de 1.106 km, menor que o ambicioso projeto “Norte Conectado” de Bolsonaro.

O projeto de Dilma Rousseff começou a naufragar quando ocorreram atritos entre os participantes desse consórcio, e uma série de erros técnicos, além da forma como a iniciativa privada participaria dele nos serviços de manutenção técnica.

A escolha do cabo de fibra óptica subaquático na região foi o primeiro erro grave, que se somou à incompetência de quem aceitou os estudos de viabilidade técnica. Por exemplo, realizaram testes para uso do cabo no rio Negro, cujo leito é completamente diferente do rio Solimões, onde seria lançada a fibra.

O leito do rio Solimões tem seu leito ainda em formação, o que favoreceria a possibilidade de rompimentos dos cabos com a constante movimentação subaquática do terreno dele. Isso não foi levado em conta, apesar de vários alertas terem sido emitidos ainda na fase de discussões do projeto em Brasília.

O resultado disso foi que o Tribunal de Contas da União constatou em auditoria os problemas técnicos que ocorreram em seguida, quando instalaram cabos no rio e eles acabaram se rompendo. O custo operacional de fazer reparos, aliado às dificuldades da região Amazônica prejudicavam os serviços.

Além disso, a governança no projeto era caótica. Uma verdadeira “Torre de Babel” as reuniões de estratégias do programa, pois faltava a coordenação de um órgão competente, embora o projeto tenha iniciado com os militares. Um dos problemas ocorreu entre a direção do Exército e da Rede Nacional de Ensino e Pesquisa, que fez uma proposta considerada indecorosa pelos militares na época.

A RNP propunha que o Exército contratasse empresas para fazerem a manutenção técnica e em troca parte do pagamento seria feito com fibras ópticas para essas empresas. Mesmo modelo pelo qual ela construiu o seu backbone no país, onde é o governo quem paga para ela fazer um serviço e criar uma rede universitária supostamente pública, mas que na realidade está nas mãos de um ente privado.

Ao recusar a proposta o Exército ficou isolado, pois as empresas da região cobravam quase o custo do projeto (R$ 600 milhões) para fazer a manutenção técnica da rede. O relatório de auditoria do TCU mostra como o projeto nasceu errado e terminou no limbo político nos últimos anos até a chegada do Governo Bolsonaro.

Novo projeto

O custo do “Norte Conectado” do Governo Bolsonaro está estimado em R$ 1 bilhão e será coberto com recursos gerados pelo leilão do 4G, que por acordo com a Anatel em edital, as teles ficaram obrigadas a bancar financeiramente o processo de implantação da TV Digital brasileira. Como houve essa sobra de caixa, o governo agora quer gastar no projeto de conectividade amazônica.

A proposta do Governo Bolsonaro é construir uma rede de fibras ópticas em oito trechos, que começariam em Macapá (AP) e iriam até Tabatinga (AM). Em linha reta todos os trechos dariam um total de 2.149 Km (200 quilômetros a menos que a distância entre Brasília e Rio de Janeiro – ida e volta). A ideia será usar rios na região Amazônica para instalar os cabos de fibras ópticas e, em determinados casos, a cobertura seria feita por satélite da Telebras.

Entretanto, Faria disse que há um nono trecho, de 489 km, que também ligará a rede de fibras de Macapá (AP) passando por Santarém, no Pará, para em seguida seguir para Tabatinga no Amazonas. O trecho de Macapá foi inserido no projeto como sendo parte do “Norte Conectado” para agradar ao presidente do Congresso Davi Alcolumbre, que na solenidade de hoje rasgou elogios ao presidente.

Nas mãos da RNP

Afora essa novidade o “Norte Conectado” tem outra diferença em relação ao Amazônia Conectada”: ele será coordenado pela RNP – Rede Nacional de Ensino e Pesquisa. A mesma organização social “sem fins lucrativos” que sempre aparece como o braço do Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações (MCTI) para projetos de conectividade.

Em recente entrevista ao portal Convergência Digital, o presidente da Anatel, Leonardo Euler de Moraes, se mostrou contra a ideia de usar a RNP no controle do projeto “Norte Conectado”. A declaração de Leonardo abaixo é um trecho dessa entrevista concedida à CDTV:

Parece que o presidente da agência reguladora perdeu a queda de braço com o atual secretário-executivo do Ministério das Comunicações, Vitor Menezes, o maior promotor da presença da RNP em programas de conectividade.

Sabe-se lá o motivo, pois Vitor é membro do Conselho de Administração da Telebras, embora sempre tenha jogado contra a estatal. Para quem não se lembra, Vitor Menezes e Leonardo Euler de Moraes não se bicam desde os tempos de agência reguladora.

Vitor é dos quadros da Anatel, mas teve de sair de lá quando Leonardo assumiu a presidência da agência. Foi para a secretaria de Telecomunicações de Marcos Pontes, quando essa área ainda estava vinculada ao atual MCTI.

A estratégia de Vitor Menezes de usar a RNP no “Norte Conectado” prevaleceu, mesmo com o presidente da Anatel sendo contrário e, ao que tudo indica, ele goza de prestígio com Fábio Faria no Ministério das Comunicações. Ao ponto de ter sido lembrado como um dos idealizadores do novo projeto de Bolsonaro durante discurso do ministro.

E mais uma vez o Governo Bolsonaro se vale de uma “organização social”, que embora tenha vínculos com o MCTI é uma entidade privada. Portanto, pode se dar ao luxo de chamar seus “parceiros” para prestar serviços ao governo sem terem de se submeter a licitações, e a um custo cobrado que não se sabe se seria mais vantajoso para o governo, caso essas empresas fossem obrigadas a disputar um pregão.

A única boa notícia é que Fabio Faria também pretende usar o satélite da Telebras em parte do projeto. Pelo menos terá uma chance de lá na frente corrigir o rumo desastroso dessa estratégia de uso de fibra em rios amazônicos, quando parar para pensar e não cair na conversa da “Mão Invisível do Estado”.

*Vocês sabem de quem eu me refiro.