ANPD: a raposa que vai tomar conta do galinheiro

O presidente Jair Bolsonaro publicou hoje (09/07), com vetos, a lei que cria um cartório, que dará o “ar da legalidade” ao comércio eletrônico que está sendo negociado entre governo e multinacionais interessadas nos dados particulares dos cidadãos brasileiros: a ANPD – Autoridade Nacional de Proteção de Dados.

Esse órgão dará a sustentação legal para que empresários – que comandam poderosas estatais detentoras de bancos de dados dos cidadãos – possam negociar as informações com multinacionais, em troca de aplicativos de serviços de “governo digital”.

A ANPD estará diretamente subordinada à Presidência da República, ou seja: não tomará nenhuma decisão que não esteja de pleno acordo com o que o presidente desejar. Sua função será a de fiscalizar o uso e a manipulação dos dados dos cidadãos sem o seu devido “consentimento”.

Mas aí é que vem o pulo do gato. Bolsonaro vetou e esvaziou as sanções previstas na lei para quem descumprisse a regra e manipulasse os dados dos brasileiros.

Portanto, a nova lei que cria a ANPD, que já nascia torta, pois foi concebida para ser uma agência reguladora, sem a ingerência política de presidentes e governos, agora nasce morta, após os vetos.

Além disso, convém lembrar que o presidente da República, cujo governo é formado por empresários que comandam poderosas estatais de TI que estão fechando “acordos e parcerias” com multinacionais como Google, Amazon e Microsoft (entre outras) – sem prestar nenhuma informação sobre o teor desses acordos, pois alegam “sigilo comercial” – terá a incumbência de nomear os integrantes da ANPD.

Os acordos não são ilegais, porém são imorais, já que ninguém sabe ao certo do que se tratam, uma vez que estão amparados na Lei das Estatais, que assegura o sigilo das informações. Curioso isso, as informações dos brasileiros podem ser entregues a qualquer multinacional, mas as informações dos acordos fechados pelas empresas públicas são consideradas “sigilosas”.

Liberou Geral

Nos vetos o governo, através de seus “empresários estatais”, disse exatamente a que veio: vender os dados dos brasileiros para empresas estrangeiras; simples assim. Tanto que um dos principais vetos foi quando a possibilidade do cidadão não aceitar que um algoritmo decida informar, à sua revelia, que tipo de cidadão ele é.

Foi vetado o parágrafo 3º do Artigo 20, no qual ficava estabelecido que uma pessoa poderia solicitar a revisão de seus dados, que foram levantados através de algoritmos e inteligência artificial. O governo, pasmem, levou em conta os argumentos da Brasscom – a entidade que congrega as principais empresas multinacionais e nacionais de tecnologia, as principais interessadas em esvaziar o poder de fogo da ANPD.

“A propositura legislativa, ao dispor que toda e qualquer decisão baseada unicamente no tratamento automatizado seja suscetível de revisão humana, contraria o interesse público, tendo em vista que tal exigência inviabilizará os modelos atuais de planos de negócios de muitas empresas, notadamente das startups, bem como impacta na análise de risco de crédito e de novos modelos de negócios de instituições financeiras, gerando efeito negativo na oferta de crédito aos consumidores, tanto no que diz respeito à qualidade das garantias, ao volume de crédito contratado e à composição de preços, com reflexos, ainda, nos índices de inflação e na condução da política monetária”.


Em resumo, todas as decisões tomadas pelos algoritmos não poderão ser revisadas pelo detentor dos dados pessoais, quando forem solicitadas por ele. Ou seja, os interesses do cidadão só podem ir até onde não conflitem com os interesses comerciais e empresariais. Afinal de contas, custa caro fazer tratamento de dados de pessoas para fins políticos, comerciais e inúmeros outros interesses, para ter de ficar atendendo ao interesse de pessoas que não concordam com o perfil que foi traçado para elas por um “robô”.

E se a ordem é atender aos anseios comerciais das empresas, com um minimo de custo possível, o governo também vetou alguns requisitos para a escolha de nomes para o cargo de Data Protection Officer (DPO) nas empresas. A Brasscom tinha receio de que a nova lei abriria um mercado para advogados e escritórios de Advocacia, pois o governo teria poderes de intervir diretamente no mercado ao exigir a contratação desses profissionais. A entidade se mostrou contrária, pois isso acabaria provocando uma “intervenção estatal” no dia a dia das empresas.

Dependência financeira

Outro veto que terminou por jogar a ANPD nos braços do governo foi com relação à sua sustentabilidade financeira. A entidade terá de conviver com o que receber do Orçamento Geral da União, não terá direito a criar taxas ou emolumentos que assegurem sua saúde financeira.

Ou seja, será mais uma “Anatel” na vida, que arrecada bilhões com a venda de espectro ou cobra milhões em taxas de fiscalização, inovação, além da “universalização”, mas não fica com nenhum centavo para o seu custeio. Depende das “dotações orçamentárias” mínimas que recebe anualmente, o que a torna numa agência reguladora inútil, por exemplo, na fiscalização.

Mas o melhor de tudo é a ANPD ter poderes para obter recursos provenientes de acordos com entidades e empresas públicas ou privados, nacionais ou internacionais.

*Fica claro que a protetora dos seus dados poderá fechar acordos financeiros com o Google ou a Microsoft, e receber recursos dessas empresas que serão, em tese, fiscalizadas por ela. Taoquei?