“All” techs

Por Jeovani Salomão* – No final da minha gestão na ASSESPRO, fui procurado por um amigo que trabalhava na área de Relações Institucionais de um banco digital. Ele me perguntou sobre o nosso posicionamento em relação a algumas matérias que estavam sendo debatidas no congresso e, em breve, se transformariam em leis. O posicionamento da FEBRABAN, entidade que reúne e defende os bancos, naquela ocasião, era desfavorável para os interesses dele.

Dentre as questões, lembro-me que uma dizia respeito ao ISS. Os bancos tradicionais possuem diversas agências em inúmeras cidades, enquanto os iminentemente digitais não. A outra, era sobre a concessão de limites de crédito para os clientes. Segundo o projeto que estava sendo apresentado, qualquer cliente poderia exigir revisão dos critérios que levaram o banco a estabelecer o dito limite. Até aí, tudo bem. Ocorre que os parlamentares queriam exigir que nessa fase deveria haver, obrigatoriamente, supervisão humana. Ora, uma das vantagens competitivas dos bancos digitais é justamente a automação da maior quantidade possível de procedimentos, dessa forma, a possível lei, retrógrada, seria extremamente prejudicial.

O cenário era extremamente interessante, um banco sendo melhor representado por uma entidade do setor de tecnologia da informação do que pela própria entidade do setor bancário. Como eu já estava de saída da presidência, não acompanhei o desdobramento dos fatos, mas o episódio ficou marcado. Atualmente, existem inúmeras iniciativas empresariais, normalmente em startups, que misturam tecnologia com operações bancárias, denominadas Fintechs.

Apenas como referência, para aqueles que são menos familiarizados com o conceito, uma das instituições reconhecidas como expoente dessa nova geração de empresas é o Nubank, cuja avaliação de mercado, segundo o Yahoo Finance, é de 25 bilhões de dólares.

Os bancos digitais são muito mais atrativos para as gerações mais novas, pois compreendem melhor suas necessidades, oferecem custos menores e navegam com facilidade pelas plataformas digitais. A identificação é automática. O interessante é que a tecnologia não é simplesmente parte das empresas e de suas soluções. Está no cerne da concepção das ideias, possibilitando uma mudança de paradigma para as demais organizações do mesmo segmento.

Uma das empresas que mais transporta pessoas no mundo, não possui sequer um veículo para essa finalidade, assim como uma das que mais hospeda não tem imóveis para tanto. Uber e AirBNB reinventaram negócios tradicionais por intermédio de aplicativos. Ifood, Rapi e Uber Eats também não possuem restaurantes.

Na área jurídica, as Lawtechs, ou LegalTechs, da mesma maneira, estão invadindo o mercado. Há plataformas dedicadas a análise de grandes volumes de dados e se utilizando de jurimetria (estatística aplicada ao direito), bem como outras empenhadas na automação de peças jurídicas. Somadas, essas plataformas, com uso de Inteligência Artificial, serão capazes de produzir petições com chance de sucesso superior aos escritórios tradicionais de advocacia. Isso porque, têm o poder computacional de analisar que tipo de argumento é mais aceito por um juiz ou tribunal, ao estudar suas decisões pretéritas, jurisprudências e correntes de pensamento.

As Edtechs, conjunção de educação e tecnologia, avançaram com a pandemia. Desde o ensino básico até o doutorado, passando por curso técnicos de especialização, tiveram que trilhar novos caminhos em função do isolamento. Várias plataformas educacionais surgiram e proporcionaram experiências bem diferentes aos usuários. Na excelente matéria “O que está mudando no mercado de Edtech”, escrita por Bruno Milagres, no site UOL edtech, o autor resume que as iniciativas em educação precisam atender as seguintes necessidades dos alunos: acessibilidade, personalização e engajamento. Curiosamente, a matéria é de 2019.

De acordo com o 2º censo Agtech Startups Brasil, há uma estimativa de mais de 300 startups brasileiras dedicadas ao agronegócio. Automação da produção via drones e robôs, agricultura e pecuária de precisão, biotecnologia, monitoramento e integração de áreas rurais com a utilização de IoT (internet das coisas) são exemplos da evolução do setor.  Novas fronteiras de eficiência, qualidade, distribuição e logística estão sendo rompidas com o uso intensivo de tecnologias.

O fato é que, o que denominamos hoje de negócios digitais, no futuro serão apenas negócios. A economia digital será a economia real. A inserção da tecnologia nos modelos organizacionais, em seus serviços e produtos é um caminho sem volta. Esse fenômeno irá produzir uma revolução no perfil de empresas que serão sucesso, no tipo de emprego que será gerado, nas formas de comunicação utilizadas, nas novas relações humanas e nos rumos dos governos. A transformação digital, acelerada pela pandemia, é um imperativo social.

Talvez você, leitor, ainda prefira andar de taxi, ligar para reservar um hotel, ir para pós-graduação fisicamente ou encontrar com seu gerente em uma agência bancária. Suas preferências são pessoais e inquestionáveis, mas se eu fosse você, começaria a de desgarrar desses hábitos e encontrar outros, porque o futuro nos tornará cada vez mais virtuais.

*Jeovani Salomão é empresário do setor de TICs e ex-presidente do Sinfor e da Assespro Nacional.