Teletrabalho no Brasil

Por Leonardo Bucher* – O teletrabalho no Brasil veio tardiamente. No âmbito do Executivo as iniciativas foram mais precoces, como no programa Sociedade da Informação no Brasil em 1998, no qual estabelecemos as bases para o que seria necessário para a implantação deste regime de trabalho. Porém, a primeira iniciativa legislativa robusta veio apenas em 2004 por meio do PL 3.129 do deputado do PT/RO Eduardo Valverde e em seguida do brilhante parlamentar capixaba, na época atuante nos quadros do PSDB, Luiz Paulo Velloso Lucas com o PL 4.505/2008.

Entre estes e até o fim do ano passado, foram apresentados mais de duas dezenas de projetos sobre o tema. Alguns foram arquivados e outros poucos ainda estão em tramitação. Com a decretação do Estado de Emergência pelo Governo Federal, foram apresentados outros tantos projetos alterando, modernizando e complementando a legislação existente, da qual iremos falar na sequência.

O PL 3.129 dizia o que consta da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) hoje em seu artigo 6º: “Não se distingue entre o trabalho realizado no estabelecimento do empregador, o executado no domicílio do empregado e o realizado a distância, desde que estejam caracterizados os pressupostos da relação de emprego”. Este projeto foi aprovado e foi transformado na Lei 12.551/2011, a meu ver, muito pouco para a extensão da questão. Quando vi seu conteúdo imaginei que poderíamos ousar muito mais. Falei isto para o deputado Luiz Paulo, que concordou imediatamente.

Daí nasceu, a várias mãos, inclusive com a ajuda da Faculdade de Direito de Vitória – FDV, cooptada inteligentemente pelo deputado, o PL 4.505. Projeto mais encorpado e bem mais completo, trazendo quase todas as normas do estado atual da arte em teletrabalho, tramitou bem e foi aprovado terminativamente na Comissão de Constituição e Justiça da Câmara no dia 14/12/2010. Pois bem, ele iria para o Senado e ali, muito provavelmente, a tramitação seria célere e teríamos uma legislação moderna, apesar de sobre certos aspectos ainda incompleta, sobre teletrabalho já no início da década passada.

Teríamos, se não houvesse a Rede Globo, que viu no projeto uma ameaça ao seu sistema de contratação de artistas e jornalistas, não sei por quê. Com o poder que ela ainda tinha naquela época, arrebanhou pouco mais de 50 parlamentares e interpôs um recurso, no dia 16/12, um dia antes do encerramento da legislatura, um golpe sujo, contra a tramitação terminativa nas comissões e o projeto ficou parado para ser apreciado em Plenário, coisa quase impossível de ocorrer. Tentei ainda, no início do ano seguinte, a retirada de apoio dos parlamentares ao recurso.

Consegui que todos com quem expliquei a manobra concordassem, mas mais de 50% não tinham sido reeleitos e aí o recurso não pode ser retirado. Precisava de metade dos signatários. Perdemos 7 anos. O próximo capítulo da novela se deu com a Reforma Trabalhista no governo Temer. Através da Lei 13.467/2017, a lei da reforma, foi incluído todo um capítulo, o II-A, sobre o Teletrabalho na CLT, com muitos avanços e algumas falhas ainda, mas modernizando sobremaneira as relações de trabalho e trazendo segurança jurídica para empresas e empresários poderem praticar, sem medo, esta modalidade, que já não é nem mais tão nova, de trabalho.

Esta legislação exige que, no caso do trabalhador contratado para realizar home office, isto seja registrado na carteira de trabalho e conste do contrato de trabalho. Caso haja uma mudança no regime, de presencial para à distância, patrão e empregado devem concordar com isto e o contrato de trabalho deve passar a refletir esta nova realidade. Já o retorno para o trabalho presencial pode ser requerido pelo empregador com pelo menos 15 dias de antecedência, sem necessidade da anuência do empregado. Interessante neste aspecto é que a convocação do funcionário às dependências de empresa eventualmente não se configura como alteração do contrato.

A jornada de trabalho inexiste no teletrabalho e, consequentemente, não há mais horas extras legais. Estas podem ser estabelecidas de comum acordo entre patrão e empregado, mas não fazem parte da proteção legal. Outro alívio em relação aos aspectos legais se dá em relação às normas relativas à segurança do trabalho. Pelo diploma legal, o empregador tem que instruir formalmente o empregado em relação à segurança e este deve assinar um termo declarando-se conhecedor de todas estas normas.

Por último, mas não menos importante, vêm as questões do material empregado para o teletrabalho. Neste aspecto a Lei é bem dúbia e precisa sofrer melhorias no futuro. Ela diz que estas questões devem ficar para acordo entre patrão e empregado. E as despesas gerais incorridas pelo funcionário no exercício de sua função podem ser requisitadas por ele ao patrão, mas não integrarão, de forma alguma, base de cálculo de férias, 13º e quaisquer outras vantagens.

Outra questão em que a legislação é flagrantemente falha é a questão da segurança dos dados, da integridade do ambiente virtual de trabalho, da proteção ao acervo da empresa, enfim de toda as questões que envolvem segredos industriais, integridade dos dados e que tais. A Lei não traz nada sobre estas coisas, o que é ainda absolutamente preocupante. Imagine toda uma estrutura de segurança física e lógica sendo subvertida por várias unidades autônomas desprotegidas! Muito complicado!

Por fim, o aparecimento do covid-19 trouxe novidades ao tema. A Medida Provisória 927/2020, que ainda nem foi analisada pelo Congresso Nacional, permite que, neste período de calamidade, o empregador poderá, a seu critério e não mais tendo de fazer acordo ou prever imediatamente a possibilidade em contrato (tem até 30 dias para fazê-lo), “alterar o regime de trabalho presencial para o teletrabalho, o trabalho remoto ou outro tipo de trabalho a distância e determinar o retorno ao regime de trabalho presencial”.

*Leonardo Humberto Bucher, Assessor Parlamentar da Confederação Nacional de Serviços (CNS), membro do Grupo de Trabalho de Implantação do programa Sociedade da Informação no Brasil e empresário.