O “grande acordo nacional” das conexões de unidades de saúde para combater um vírus

Em nome do “combate à pandemia do Coronavírus” os Ministérios da Ciência, Tecnologia, Inovações e Comunicações e o da Saúde, se uniram e decidiram delegar a uma “Organização Social”, supostamente “sem fins lucrativos”, o controle das operações de rede de telecomunicações privadas em 16.202 unidades de saúde no país.

Esse controle será feito pela Rede Nacional de Ensino e Pesquisa (RNP), que já lançou um “Termo de Referência”, no qual a entidade convida as empresas de telefonia e provedores de Internet a apresentarem propostas, sem licitação, para a conexão da rede dos postos de atendimento da população do Ministério da Saúde.

A RNP é uma Organização Social (OS) sem fins lucrativos, que foi criada em 1992 durante o Governo Fernando Henrique Cardoso, com um suposto vínculo ao Ministério da Ciência e Tecnologia, Inovações e Comunicações. Este “vínculo” é questionável, pois o MCTI não detém o controle dessa “OS”.

Não escolhe sequer o corpo diretivo desta entidade, que é praticamente o mesmo desde a sua fundação. Pelo menos isso é fato no que tange, por exemplo, ao presidente da RNP, Nelson Simões. Que permanece no controle da entidade há 28 anos, um dos casos de longevidade política mais notórios em uma organização vinculada a um ministério.

De acordo com o Termo de Referência lançado pela RNP, as empresas convidadas a prestar o serviço de conexão não precisarão participar de uma licitação, pois trata-se de contratação emergencial devido ao “estado de calamidade pública” ocasionada pela pandemia do Coronavírus. Os preços a serem apresentados pelas empresas de telefonia e provedores levarão em conta um período de vigência contratual de 12 meses.

Entretanto, a RNP exige que a prestação do serviço nos quatro primeiros meses seja de forma “não onerosa”, no popular: “de graça”. Parece bom, mas como não há uma disputa formal de preços estabelecida em pregão, nada impede que as empresas absorvam esse “custo” dentro do preço total a ser pago nos oito meses seguintes de faturamento. O pagamento deverá ser feito pela RNP, mas não sairá do seu bolso. O dinheiro será repassado para ela provavelmente pelo Datasus. Ou via MCTIC, através de um “encontro de contas” com o Ministério da Saúde.

Responsabilidades

Diante desses fatos, resta a este site indagar aos órgãos de controle algumas dúvidas suscitadas pelo grande projeto em andamento, haja visto que este governo não é dado a explicar publicamente seus atos, ainda mais diante desse tipo de ação que vem sendo empreendida em nome do combate a uma pandemia.

Os primeiros questionamentos vão para o Ministério da Saúde ou o Datasus, se preferirem.

1 – Como é que este órgão tem 16.202 unidades de saúde sem nenhuma conexão à Internet até hoje?

2 – Como este ministério ou estatal podem desenvolver políticas públicas de saúde, se não possuem comunicação com tais unidades e não sabem claramente as reais necessidades que elas enfrentam diariamente?

3 – E resta ainda uma última questão a ser respondida: se não há conexão, deduz-se que muito provavelmente a maior parte dessas unidades sequer tenham computadores para guardar as informações, por que?

4 – Quanto este ministério estima gastar com essas conexões?

Para a Anatel também cabem alguns questionamentos. Essas unidades de saúde estão em sua maior parte na periferia de grandes centros, em regiões que supostamente a agência reguladora deveria fiscalizar o cumprimento de universalização das empresas de telefonia nos últimos 20 anos, pelo menos.

1 – Então, como é que essas regiões ainda não foram atendidas por essas empresas, já que somente farão agora porque o governo decidiu por dinheiro?

2 – A Anatel está ciente deste acordo?

Ao Ministério da Ciência e Tecnologia também cabem algumas indagações.

1 – Por que decidiu delegar para uma Organização Social a competência de gerir contratos de conexão de banda larga em postos de saúde que nem estão sob o seu controle ministeral?

2 – Isso não caracteriza um desvio de finalidade, já que está terceirizando para um ente privado a intermediação de contratos, que serão pagos pelo poder público a empresas privadas de telefonia e provedores?

Satélite

No Termo de Referência da RNP para contratar empresas de telefonia também fica patente mais um absurdo promovido pelo MCTIC. Abre a possibilidade das teles ofertarem serviços de conexão de banda larga por meio de satélite em áreas consideradas remotas, sem acesso a uma rede terrestre. Então cabe mais alguns questionamentos ao Ministério da Ciência e Tecnologia:

1 – Por que o ministério simplesmente deixa que a RNP decida qual a melhor oferta de serviços por satélite, quando tem ao seu dispor um satélite geoestacionário que cobre o país inteiro, através da Telebras?

2 – Para quê o governo investiu tanto em um satélite, se ele não é sequer lembrado para cumprir a sua função num momento de crise em saúde pública?

As ações erráticas do MCTIC nos últimos meses, notadamente por inspiração da Secretaria de Telecomunicações, em favor de se privilegiar a RNP com verbas públicas, em detrimento da Telebras, estão a cada dia que passa mais nítidas. Tem cara, tem cheiro e tem falta de controle social a uma “privatização branca” que este ministério vem fazendo com a Telebras.

Até agora constata-se que quem está ganhando com esse projeto é uma “Organização Social”, as empresas de telefonia, os provedores de Internet e, futuramente, algum fabricante de PCs.

Falta explicar o que ganhará o cidadão brasileiro pagador de impostos com essas ações inexplicáveis do ministro/astronauta Marcos Pontes.