Lei de FHC não tem o poder de “turbinar” privatizações de todas as estatais

Vi com certa preocupação como algumas notícias que saem têm o poder de imediatamente serem tratadas como o “capítulo final” de uma batalha, que sequer começou a ser travada no processo de escolha de empresas estatais para privatização.

As pessoas tem o dom de ler o que sai na imprensa e, automaticamente, dar como fato consumado o assunto, sem entretanto realizar alguma pesquisa adicional que possa confirmar que o que está escrito ali é a tradução da verdade dos fatos.

Não é bem assim que a “banda” toca.

A matéria publicada no dia 28 de setembro (sábado) pelo Estadão, com o sugestivo título Lei de FHC pode turbinar privatizações” só tem o dom de causar estragos no imaginário de milhares de trabalhadores de empresas estatais que estão com a cabeça à prêmio. Fora a missão de tumultuar o já tumultuado cenário, nada mais se pode extrair dela do ponto de vista da informação.

Vamos observar a tal matéria: primeiro ela diz que a lei que criou em setembro de 1997 o Programa Nacional de Desestatização (PND), de Fernando Henrique Cardoso ( Lei 9.491/97), permitiu a venda da Vale e da Telebras. Não, não foi bem assim. Pelo menos não com a Telebras, que nos interessa. Essa lei apenas criou o PND e estabeleceu as condições para o Estado brasileiro iniciar o processo de se retirar de algumas atividades econômicas as quais em alguns casos tinha até o monopólio, como no caso das Telecomunicações.

O caso da venda da Telebras é anterior ao da criação do PND. O governo tomou a decisão de sair do setor quando criou uma legislação que permitiu vender a Telebras e suas subsidiárias, em julho de 1997.

Explicando melhor, Em julho de 1997, o Governo FHC APROVOU (atente para esse detalhe) no Congresso Nacional a Lei 9.472, que além de criar uma agência reguladora e de definir sua atuação no mercado de Telecomunicações (Anatel), também publicou a lista de subsidiárias que seriam vendidas:

I – Telecomunicações Brasileiras S.A. – TELEBRÁS; II – Empresa Brasileira de Telecomunicações – EMBRATEL; III – Telecomunicações do Maranhão S.A. – TELMA; IV – Telecomunicações do Piauí S.A. – TELEPISA; V – Telecomunicações do Ceará – TELECEARÁ; VI – Telecomunicações do Rio Grande do Norte S.A. – TELERN; VII – Telecomunicações da Paraíba S.A. – TELPA; VIII – Telecomunicações de Pernambuco S.A. – TELPE; IX – Telecomunicações de Alagoas S.A. – TELASA; X – Telecomunicações de Sergipe S.A. – TELERGIPE; XI – Telecomunicações da Bahia S.A. – TELEBAHIA; XII – Telecomunicações de Mato Grosso do Sul S.A. – TELEMS; XIII – Telecomunicações de Mato Grosso S.A. – TELEMAT; XIV – Telecomunicações de Goiás S.A. – TELEGOIÁS; XV – Telecomunicações de Brasília S.A. – TELEBRASÍLIA; XVI – Telecomunicações de Rondônia S.A. – TELERON; XVII – Telecomunicações do Acre S.A. – TELEACRE; XVIII – Telecomunicações de Roraima S.A. – TELAIMA; XIX – Telecomunicações do Amapá S.A. – TELEAMAPÁ; XX – Telecomunicações do Amazonas S.A. – TELAMAZON; XXI – Telecomunicações do Pará S.A. – TELEPARÁ; XXII – Telecomunicações do Rio de Janeiro S.A. – TELERJ; XXIII – Telecomunicações de Minas Gerais S.A. – TELEMIG; XXIV – Telecomunicações do Espírito Santo S.A. – TELEST; XXV – Telecomunicações de São Paulo S.A. – TELESP; XXVI – Companhia Telefônica da Borda do Campo – CTBC; XXVII – Telecomunicações do Paraná S.A. – TELEPAR; XXVIII – Telecomunicações de Santa Catarina S.A. – TELESC; XXIX – Companhia Telefônica Melhoramento e Resistência – CTMR.

Um detalhe: nessa mesma autorização, o governo também colocou à venda empresas que tinham acabado de serem criadas para exploração do Serviço Móvel Celular. Elas eram classificadas como “subsidiárias” das empresas acima.

Tudo acima é mero detalhe, apenas para eu quebrar alguns mitos criados pelo Estadão: primeiro, a lei do PND – Programa Nacional de Desestatização não “turbina” o atual quadro de privatizações já anunciado pelo Governo Bolsonaro, como crê o jornal. Não há a menor hipótese dela substituir o Congresso Nacional na sua competência para aprovar a venda de empresas criadas por lei, como nos casos do Serpro e da Dataprev.

Só o Supremo Tribunal Federal poderia rever essa decisão, e tudo indica que ele ainda voltará a se pronunciar sobre o assunto, mas considero improvável. A premissa usada pelo Estadão para cravar que o governo teria agora uma “brecha” para vender tudo sem autorização do Congresso Nacional é um tanto confusa.

Segundo o Estadão:

“o governo viu uma brecha para tocar as privatizações nos termos da lei de 1997 com base em julgamentos recentes do Supremo Tribunal Federal (STF). A questão da exigência legal foi tratada em junho, quando o Supremo decidiu que a venda ou perda de controle acionário de subsidiárias de estatais não precisa ser aprovada pelo Congresso Nacional. No mesmo julgamento, o STF proibiu o governo de vender as estatais de controle direto sem autorização legislativa”.

Não entendi patavinas do que os colegas do Estadão quiseram dizer com “brechas”. Eles mesmos se desmentem. O STF autorizou apenas a venda de SUBSIDIÁRIAS, isso é verdade.

Mas não autorizou, naquela sessão, que o governo possa vender empresas estatais criadas pelo Congresso Nacional, sem que haja uma lei específica permitindo essa venda.

Então onde está a tal brecha?

Arrisco a dizer que esse assunto certamente voltará ao STF caso o governo tente vender estatais criadas por lei sem a devida autorização legislativa. Aposto com quem quiser que, se o governo adotar essa estratégia dita pelo Estadão, irá chover ações diretas de inconstitucionalidade (ADIs) no Supremo, que serão movidas pelas representações sindicais dos trabalhadores.

*Essa matéria do Estadão é conhecida no jargão jornalístico como “balão de ensaio”. Soltam a informação para conferir o tamanho da confusão que ela irá causar. Se sentirem que deu confusão com os congressistas, tratam de abandonar a ideia e jogar a culpa no jornal que a plantou.

*Agora se não houver reação de ninguém, se colar…