Nuvem federal: norma visa apenas arrumar “cliente” para contrato Embratel/AWS

Como não conseguiu o apoio da Esplanada dos Ministérios para o projeto da nuvem federal, licitado no ano passado, a Secretaria de Governo Digital decidiu atropelar a Secretaria de Gestão e mudar o processo de compras governamentais.

Lançou na última sexta-feira (06/04) uma Instrução Normativa nº1, na qual estabelece uma “preferência” para órgãos terem de optar pela nuvem, nas futuras contratações ou renovações de contratos de centros de dados. A IN-1 foi assinada pelo secretário de Governo Digital, Luis Felipe Salin Monteiro, ex-secretário de Tecnologia da Informação e Comunicações, do extinto Ministério do Planejamento. (foto)

Histórico

No ano passado o então Ministério do Planejamento decidiu realizar à fórceps e contrariando o mercado, um pregão (nº 29/2018) para contratação de uma nuvem única, depois de passar quase dois anos anunciando que teria um projeto de multinuvem com a presença de um “broker”.

A mudança, que surpreendeu o mercado e gerou descontentamento, foi tomada na época pela mesma equipe que hoje ocupa a Secretaria de Governo Digital, no Governo Bolsonaro, após a extinção do Ministério do Planejamento e, por consequência, da Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicações (STIC).

Ao final de 2018, apesar de todas as reclamações do mercado, o extinto Ministério do Planejamento concedeu a vitória no pregão para a Primesys, subsidiária da Embratel e a AWS, que na disputa de preços com outros concorrentes, derrubaram um valor estimado em edital de R$ 71 milhões, para apenas R$ 29,9 milhões.

O órgão nunca explicou como chegou a um preço tão mais alto que o proposto pelo mercado na disputa de preços. O que leva a crer que ou as empresas praticaram dumping durante o pregão, ou havia superfaturamento na proposta descrita em edital pela área governamental.

Outro problema que chamou a atenção foi o fato de empresas como Google, Dell, Telefonica Data, Huawei, Oracle e IBM terem ficado de fora da disputa no pregão, porque entendiam que o edital era tecnicamente restritivo e as impedia de concorrer.

IN para criar demanda

Além desses problemas detectados ao longo da disputa, verificou-se que o projeto de nuvem da antiga Secretaria de Tecnologia da Informação e Comunicações (STIC) do extinto Ministério do Planejamento, que hoje virou a SGD – Secretaria de Governo Digital do Ministério da Economia, acabou não gerando grande interesse dos órgãos governamentais.

Apenas um pequeno e inexpressivo grupo de organismos topou entrar no edital junto com o Ministério do Planejamento, alguns órgãos vinculados do próprio ministério, que não teriam como negar a participação:

Convém lembrar que o SISP – Sistema de Administração dos Recursos de Tecnologia da Informação é formado por 224 órgãos e entidades da Administração Pública Federal. Se todos tivessem apoiado esse pregão, a relevância desse projeto de nuvem seria outra.

A Secretaria de Governo Digital foi procurada por esse site para explicar os objetivos desta nova Instrução Normativa nº 1, que atropelou a Secretaria de Gestão, ambas vinculadas ao Ministério da Economia.

Atropelou, porque hoje não cabe à SGD criar normas para compras governamentais, uma vez que a Central de Compras está sob controle da Secretaria de Gestão. Porém, após três dias úteis de espera, além do fim de semana, ficou subentendido que a SGD abriu mão de se pronunciar.

Entretanto, ao portal Convergência Digital a Secretaria de Governo Digital concedeu entrevista e lá deixou clara a opção pela nuvem. “A ideia é induzir nuvem. Todo mundo que for renovar ou ampliar centros de dados terá que justificar uma solução que não seja nuvem”, disse em entrevista o Diretor de Operações Compartilhadas da Secretaria de Governo Digital, Merched de Oliveira. 

E ele foi além. Explicou que o objetivo da Instrução Normativa nº1/2019 – na ótica da SGD – seria o de “corrigir um caminho mal trilhado” na aplicação de recursos em centro de dados. E  completou: “a esplanada tem cerca de 130 Datacenters, muitos deles pouco utilizados ou sem manutenção. Vinha se investindo muito numa solução que atrapalha o compartilhamento e aumenta o gasto. Com a nuvem é o contrario, reduz custo e amplia a possibilidade de compartilhamento”.

Nuvem extinta

Há, entretanto, uma questão a ser levantada: que nuvem está se referindo o diretor Merched? A do Serpro? A do extinto Ministério do Planejamento? ou a do extinto Ministério das Cidades? Até onde se tem notícias, o governo federal somente teria uma nuvem operacional, que é a do Serpro. As demais estão num limbo jurídico que mereceria maior atenção da parte dos organismos de controle.

Desde o ano passado, a BR Cloud luta para emplacar um contrato de nuvem no governo da ordem de R$ 1,6 milhão. Esse contrato deveria ter sido assinado pelo extinto Ministério das Cidades. A pasta caiu com a chegada do Governo Bolsonaro e, apesar da empresa ter obtido na Justiça um parecer favorável a assinatura do contrato, na pasta que herdou as atribuições do Ministério das Cidades, os gestores se recusam a cumprir a ordem judicial. Sob a alegação de que o contrato caiu com a extinção do ministério.

Se esse argumento é válido para a BR Cloud, por que não se aplicaria ao contrato Embratel-Primesys/AWS, do Ministério do Planejamento, também extinto? Não há explicação para tal fato, até porque, a equipe que licitou o contrato vencido pela Embratel no extinto Ministério do Planejamento, é a mesma que agora comanda a Secretaria de Governo Digital, no Ministério da Economia.

Além disso, o contrato foi assinado em março de 2019, por exemplo, por uma das interessadas no pregão: a Agência Brasileira Gestora de Fundos Garantidores e Garantias S.A.  Então fica a pergunta: como foi assinado em março um contrato feito por um ministério extinto em 1º de janeiro deste ano?

Talvez o preço explique as razões para gestores de dois ministérios terem visões diferentes sobre validade de contratos. O valor do contrato da BR Cloud, se levado aos diversos organismos de governo, acaba sendo aceito porque é infinitamente menor que os R$ 29,9 milhões do contrato da Embratel.

Alguém nesse governo precisa explicar por que uma empresa nacional com valor de contrato bem inferior ao de uma empresa de telecomunicações, está sendo barrada nas compras governamentais. E se agora a palavra de ordem é todo mundo migrar para a nuvem, então também devem esclarecer o que farão com tanto datacenter e sala cofre montados ao longo dos anos no governo, depois que forem desativados. O diretor Merchede calcula que cheguem a um total de 130 datacenter espalhados no governo.