Caiu o presidente do INSS que comprou software numa distribuidora de bebidas. E daí?

Ontem o jornal O Globo nos brindou com uma pérola da Administração Pública que, sem controle efetivo, usa dinheiro público para fins nada republicanos.

O então presidente do INSS, Francisco Lopes, comprou software de uma empresa denominada “RSX Informática Ltda”, através de adesão a uma Ata de Registro de Preços. Só que a tal empresa funciona numa loja destinada a venda de bebidas.

O valor do contrato é de R$ 8,8 milhões, sendo que R$ 4 milhões já teriam sido repassados para a empresa, segundo a reportagem de O Globo.

O detalhe dessa reportagem: Lopes mandou comprar, mesmo tendo em mãos parecer técnico de funcionários do INSS, contrários à aquisição, por entenderem que a solução não teria finalidade alguma para o órgão.

Hoje o jornal carioca informa que Francisco Lopes foi demitido, após a denúncia, aguardando apenas a exoneração no Diário Oficial da União.

E aí eu pergunto: e daí?

Ontem, no calor da denúncia, Francisco Lopes admitiu que não procurou saber a procedência dessa fábrica de salsicha, que vende para o governo e depois não entrega. Ou se entrega, apenas revendeu algo que não é desenvolvido por ela, no máximo customizado.

Ficam perguntas a serem esclarecidas e, se este governo realmente estiver disposto a investigar à fundo, descobrir quem se beneficiou com isso, poderá colocar na cadeia junto com o patrocinador dessa marreta, que até agora só perdeu um cargo.

Mais: investigar também quem são “os meninos” da assessoria dele, que ele alega que não procuraram saber de quem se tratava e garantiram a compra, independentemente dos funcionários justificarem que ela seria inócua para a TI do INSS.

O governo deveria repensar a utilidade da “Secretaria do Recomenda”, a Secretaria de Tecnologia da Informação (SETIC), a responsável pelo cadastramento no portal dos fornecedores do governo.

Uma rápida conferida nas informações sobre essa RSX Informática Ltda no Portal de Compras Públicas, já se descobre que essa revenda foi cadastrada lá pela Companhia Nacional de Abastecimento (Conab). Abastecimento de quê? De software? Não, de Arroz, feijão, milho, soja, etc.

É de se perguntar algumas coisinhas sobre esse episódio:

1 – Por que cargas d’água uma empresa de informática é cadastrada no portal de compras públicas por um órgão governamental, ligado ao setor de abastecimento de alimentos?

2 – A empresa precisa de um “padrinho” para se cadastrar num portal de compras governamental?

3 – Por que o responsável pela guarda das informações, no caso a SETIC, não se mexeu para investigar a empresa demandante do cadastramento, para só então liberá-la para vender ao governo?

4 – Que Ata de Registro de Preços foi essa que o INSS pegou carona e o órgão não revela, depois de procurado por mim?

5 – A empresa em sua página alega que presta serviços de revenda há 12 anos ao governo.  Quem? Quanto foi pago para essa empresa até agora, além do INSS?

O Portal da Transparência, neste caso, é vago. Constam lá informações de que a RSX forneceu software para a Fundação Nacional de Saúde, vinculada ao Ministério da Saúde este ano, no valor de R$ 1,1 milhão. Também consta que a Funasa também pagou mais R$ 749 mil por “serviços de terceiros” para essa empresa.

Além da Funasa, a RSX Informática também andou faturando contratos com o Fundo de Amparo ao Trabalhador, vinculado ao Ministério do Trabalho, no valor de R$ 4 milhões. E ainda o Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais, do Ministério da Ciência e Tecnologia, que em 2014 teria adquirido “material de consumo” ao preço de R$ 159 mil. Resta saber se era vinho, refrigerante ou outro tipo de bebida, ou apenas software.

Há muito tempo o TCU cobra do Ministério do Planejamento ( desde os tempos de SLTI, quando a “Logística” ainda estava sobre o seu chapéu), um cadastro mais eficiente, no qual conste os nomes dos sócios, a expertise da empresa e sua participação cruzada em outras empresas.

Isso porque, estava evidente que pequenas fabricas de salsicha participavam de licitações como “coelhos”, ou para favorecer o segundo colocado (que no final era o vencedor, depois da desclassificação do coelho. O segundo colocado era o dono dessa pequena empresa), ou para melar licitações onde o dono delas não teria a menor chance de vencer.

De lá para cá, como se vê, pouca coisa mudou. Nem com parecer técnico contrário, isso impede que um barnabé possa comprar o que quiser. Fica mais uma perguntinha sobre o caso: Por onde andava o procurador do INSS, que deveria dar parecer sobre a lisura dessa compra?